Curta Paranagua 2024

Brinquedo Assassino

Brinquedo Assassino

Isso é pelo Tupac!

Por Pedro Guedes

 

 

O conceito por trás de “Brinquedo Assassino” é bobo por natureza: um boneco que ganha vida e sai matando todo mundo por aí. Ao contrário de Freddy Krueger, Jason Voorhees ou Michael Mayers, Chucky é uma criatura aparentemente inofensiva, que não transmite medo algum (afinal, ele não tem nem um metro de altura) e poderia ser facilmente vencida caso suas “presas” fossem um pouquinho mais inteligentes – não é à toa que, à medida que foi avançando, a franquia foi abraçando cada vez mais o bom humor, a galhofa e a auto-paródia. Sim, o primeiro filme – lançado em 1988 sob a direção de Tom Holland (não, não estou falando do Homem-Aranha) – tentava provocar o riso com frequência, mas ainda assim investia em uma dose de sangue, vísceras e sustos que o classificavam como um legítimo slasher movie. É uma pena, no entanto, que a série tenha derrapado justamente quando começou a se entregar à comédia, atingindo o fundo do poço com “Brinquedo Assassino 3″, ” A Noiva de Chucky” e “O Filho de Chucky”.

E é surpreendente, portanto, que esta nova versão represente um acerto tão grande, encontrando um equilíbrio perfeito entre a violência gráfica e o deboche autodepreciativo. Dirigido pelo estreante Lars Klevberg e escrito pelo também estreante Tyler Burton Smith, o novo “Brinquedo Assassino” parte da mesma premissa do original de 1988: na cidade de Chicago, um boneco ruivo, que veste jardineira e que fala diretamente com seu dono torna-se uma verdadeira febre entre os consumidores. Depois que a mãe do pequeno Andy decide presenteá-lo com um desses brinquedos, o menino logo cria uma relação de amizade com o boneco; que, mais tarde, diz se chamar Chucky. No entanto, quando estava em estágio final de fabricação, o brinquedo sofreu uma alteração que transformou radicalmente sua forma de pensar e agir – e para pior. Assim, quando passa a sentir ciúmes de Andy ou percebe que alguém está maltratando-o, Chucky toma a iniciativa de… matar as pessoas que estão causando este mal estar.

Revelando uma propensão ao bom humor desde seus minutos iniciais, “Brinquedo Assassino” reconhece que a ideia de um boneco que mata seres humanos é, por natureza, uma imensa bobagem. Desta maneira, em vez de tentar levar a história a sério (algo que certamente faria o filme soar ainda mais estúpido), o diretor Lars Klevberg resolve abraçar o bom humor sem qualquer tipo de restrição, criando situações que vão de comentários rápidos e irônicos (como no momento em que vemos um animador de festas vestindo uma roupa de Chucky e resmungando dentro de sua cabeça de papel machê) até situações inteiras que se constróem a partir do absurdo (como aquela que envolve… digamos, uma senhora de meia idade e um rosto colado em uma bolota). Aliás, o longa diverte ao surpreender o espectador em momentos que a maioria das outras obras provavelmente dedicaria ao Terror – e, quando está fazendo sua primeira vítima, Chucky de repente solta um hilário “Isso é pelo Tupac!” que, creio eu, não era esperado por ninguém.

Não que o filme vá desapontar aqueles que estão esperando um slasher movie à moda antiga: após dedicar a primeira metade da narrativa ao desenvolvimento dos personagens e da trama em si, Klevberg mergulha em cenas grotescas que com certeza farão o espectador sentir, no mínimo, uma agonia tremenda (afinal, para Chucky não basta “apenas” tirar a vida de suas vítimas, mas também torturá-las até atingir um ápice doloroso). Aliás, Klevberg demonstra controle e elegância ao construir as sequências mais violentas da narrativa, preparando as situações com calma, amarrando todos os elementos cênicos de maneira inusitada e chegando a resultados quase sempre impactantes – e o mais surpreendente: quase sempre encaixando uma piada inesperadamente eficaz no meio da ação.

Como se não bastasse, o longa surpreende também ao transformar Chucky em uma figura multidimensional: se lá atrás, no original de 1988, o boneco nada mais era do que um criminoso que queria transferir sua alma de um corpo para outro, agora ele é um indivíduo que realmente se importa com seu dono e que desejava satisfazê-lo sempre que possível – e confesso que senti um pouco de pena do brinquedo quando, após estrangular o gatinho de Andy, ele é “posto de castigo” no quarto de seu dono. Mas esta pena, claro, só durou até ele sair matando todo mundo. Aliás, um dos elementos que mais ajudam Chucky neste sentido é, sem dúvida alguma, a performance vocal de Mark Hamill, que, como já havia feito com o Coringa nas animações e nos games do Batman, confere sadismo, ironia e instabilidade emocional/mental ao boneco (a musiquinha que ele canta, por exemplo, é notável).

Mas o que realmente faz a diferença no novo “Brinquedo Assassino” é o esforço em atualizar a atmosfera e a lógica do universo apresentado no longa de 1988. Em vez de repetir tudo aquilo que já vimos nos capítulos anteriores da série, o roteiro desta refilmagem substitui o caráter místico/sobrenatural que sempre fez parte da essência do personagem por algo tematicamente relevante nos dias de hoje: os riscos que a tecnologia oferece à vida dos consumidores. Sempre dispostos a vender produtos modernos, avançados e quase autônomos, as grandes empresas talvez estejam transformando a tecnocracia em um perigo para o bem estar da sociedade – e isto se aplica não só às inteligências artificiais, que fatalmente podem se voltar contra seus criadores, mas também ao vício que as pessoas têm por aparelhos que, por mais modernos que sejam, não fazem jus ao que eles são na prática.

E, com isso, a sociedade permanece enchendo os bolsos de corporações que se importam mais com o lucro do que com a segurança de quem gerará este lucro. É este tipo de comentário que torna o novo “Brinquedo Assassino” uma grata surpresa – e mesmo que seu terceiro ato apresente alguns problemas óbvios (como o excesso de conveniências, os exageros em algumas situações e a propensão ao uso de um ou outro clichê), isto não compromete os diversos acertos que o filme apresentou até ali. Que sirva de exemplo para as refilmagens de “A Hora do Pesadelo” e “Sexta-Feira 13”.

4 Nota do Crítico 5 1

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