Festival de Berlim 2017: Segundo ao Quarto Dia
Por Fabricio Duque
Já era de se esperar que com a temperatura a cinco graus negativos e sensação térmica de menos dez um estado viral fosse instaurado neste crítico que vos fala. Tosse e dor no corpo impediram que as críticas pílulas fossem publicadas em tempo real. Sim, mas com a ajuda do santo Rodrigo Fonseca, que tem uma farmácia ambulante, o leitor-cinéfilo-espectador de nosso site de todo dia e todo lugar já pode conferir as atualizações do festival que continua firme e forte e que nesta edição está mais socialmente político em abordar o tema da imigração.
E a vinheta de abertura (um globo de ouro que explode e cria milhares de estrelas que são absorvidas pelo Urso) continua emocionando e dando aquele arrepio gostoso na alma.
E já tem ranking nota da crítica internacional. Dos filmes até agora, em um total de 18, “Felicite” está empatado com “On Body and Soul” em 2.7 de 4.0, seguido de “Wild Mouse” com 2.4, “Django” com 2.0 e The Dinner com 1.3. Sim, talvez os críticos russo, inglês, alemão, e franceses não tenham mais senso do sarcasmo (ou estão com altas expectativas – esperando o filme “perfeito”, devido às notas tão baixas.
“TESTRÖL ÉS LÉLEKRÖL – ON BODY AND SOUL”, da diretora húngara Ildikó Enyedi (de “Europa”, “First Love”) conta uma estranha e bonita história de amor, em que as manias são respeitadas como um entendimento mútuo de se estar em um relacionamento orgânico, simétrico, visceral, solitário, lógico em que duas pessoas possuem o mesmo sonho (e sem saber cada um dentro do outro) e tudo experimentado ao sentir. Concorre ao Urso de Ouro do Festival de Berlim 2017. E não perca de jeito nenhum pela junção de uma direção impecável em transformar o complexo em simplicidade e pelos atores que estão tão perfeitos e irretocáveis em situações tão desconfortáveis criadas pelo roteiro preciso, sarcástico, realista, afiado, literalmente, e certeiro. O espectador só tem que assistir e aplaudir muito, assim como aconteceu no final da sessão de imprensa e no início da coletiva. Primoroso. E a música cirúrgica “What He Wrote”, cantada por Laura Marling. Cinco camerazinhas.
“THE DINNER“, de Oren Moverman. O provocador diretor Oren Moverman (de “The Messenger”) apresenta seu mais recente filme “The Dinner”, uma adaptação do romance alemão Herman Koch, sobre a história de um ambicioso politico (Richard Gere) e seu mentalmente instável irmão (Steven Coogan – “engraçado mas também com distúrbio muito muito inteligente”), e em um jantar, entre a entrada à sobremesa, resolvem pendências e segredos familiares como um crime violento cometido por seus filhos. Na coletiva de imprensa, disse que “pensa que este é um filme Trump”, e é rebatido por Ricard Gere “Não, eu não convidei”. Aqui, busca-se o escapismo acima do realismo e a simplicidade acima das ações complexas. “Sim, este é um modelo Putin de dirigir filmes. A grande ideia do livro é que traz uma horrível e impossível questão que é: até onde você vai para proteger seu filho que fez algo errado, um crime, e como lidar com isso? Quais são as implicações de denunciá-los e quais as de escondê-los, fazendo com que sigam suas vidas, sabendo que eles são culpados e nunca serão punidos? Isto é sobre pessoas com privilégios que são presas dentro do próprio mundo, na própria existência, na própria tribo e sem nenhuma compaixão dos outros. Eu não sei se algum filme pode mudar alguma coisa, mas isso é meu interesse: em ser relevante”. Um filme que questiona a violência gratuita de jovens que têm a compreensão dos pais para realizar atos tragédias contra outros seres humanos surpreende pelo realismo, sarcasmo e critica “à política”, visivelmente um protesto inteligente contra Trump. “O nome é esse porque o livro tem esse nome”, diz o diretor na coletiva. “Uma consciência raivosa. Deu até dor de cabeça”, define o ator Steve Coogan (impecável e destruidor), levando todos às gargalhadas. “Sem perguntas para Donald Trump. Não o convidei”, disse Richard Gere. “Muito orgânico e criativo o processo”. Ainda na mesa, a atriz Laura Linney (espetacular). Um filme que já nasceu perfeito, tudo pela inteligência em ser adulto e não nivelar no “retardamento”. Quatro camerazinhas.
“UNA MUJER FANTÁSTICA”, que concorre ao Urso de Ouro do Festival de Berlim 2017, causou uma sinestesia política tamanha durante a exibição e após a sessão, tanto que conversas pulularam. Uma delas, com outro colega crítico, que disse que mesmo com a interpretação impecável de Daniela Vega (uma transgênero, e uma completa atriz), questionou que talvez ela não ganhe o prêmio por causa de feministas radicais (que enxergam apenas a questão biológica e não a psicológica social). Eu o lembrei de que Paul Verhoeven é o presidente do júri deste ano, por causa de seu “poder” no voto de “Minerva” e por causa de seu discurso que “quebra paradigmas” (vide “Elle”), o prêmio de Vega estava mais que garantido. Mas ao assistir a coletiva de imprensa oficial em que Paul disse “Eu estou de olho nos filmes, sem prejudicar nenhuma política. Eu espero que o resto do júri olhe para a qualidade do filme e não se isso trará uma mensagem política no geral”. Final dos argumentos. Não se tem mais certeza de nada agora. Na coletiva de imprensa, o diretor chileno Sebastián Lelio (de “Navidad”) disse que o trabalho foi “orgânico e intuitivo” e reverberou seu discurso político em querer “um mundo sem barreiras”. “Qual o limite da empatia? Que amores são possíveis? O que é permitido? Este filme deixa para que o espectador complete as próprias opinões”. Um filme que é impossível não inferirmos “Dogville”, de Lars von Trier, porque nosso querer se torna quase cego em lutar para que ela imponha sua vingança, devido à sequência intermitente de humilhação física, psicológica, cruel de uma sociedade hostil, egoísta, limitada e preconceituosa. E ainda com produção de Pablo Larraín e co-produção de Mauren Ade. Prêmio máximo. Cinco camerazinhas.
“POKOT – SPOOR“. A diretora polonesa Agnieszka Holland (de “Europa, Europa”; “O Jardim Secreto”), em seu mais recente filme que concorre aqui ao Urso de Ouro do Festival de Berlim 2017, “Pokot – Spoor”, o adjetiva como um “thriller entre gêneros”, na verdadeira história adaptada do livro homônimo de Olga Tokarczuk. Seu título original é uma expressão de caçada, que significa a contagem de animais mortos (e fotografados para a lembrança póstumo). É um a história “anarquista-feminista” policial “com elementos de humor negro”. “Não é um filme abertamente político, mas fala sobre muitas questões políticas” de um governo polonês “anti-democrata, misógino e anti-ecológico”, que têm leis “não só contra animais, mas contra quem é contra caçar”, assim como “ciclistas, vegetarianos e ecologistas”. Sobre o povo polonês, ela disse: “Você tem metade do povo polonês que tem uma opinião diferente da outra metade”. Após a primeira sessão, de imprensa, foi vaiado. O filme romeno é um discurso ativista reverberando Peta contra a caça de animais em um interior à moda de “True Detective” que não encontra humanidade em pessoas que veem estes seres animais como nada sem alma. Uma mulher excêntrica, aparentemente louca, professora de inglês e astróloga nas horas vagas, vive seu bucolismo na natureza até ser confrontada com seus princípios, desenvolvendo uma radical vingança pelas próprias mãos. A paz só existe com guerra. Pessoal, egoísta e humanista. É um filme de momentos, subindo no discurso e descendo nos clichês, que muitas vezes não se conectam imediatamente, mas sim por detalhes pinçados, dando ao espectador a responsabilidade de os juntar pela interpretação irretocável da protagonista vivenciada pela atriz Agnieszka Mandat (como Duszejko). Três camerazinhas.
“FINAL PORTRAIT“. Apos uma década sem filmar e só estar na frente das câmeras como ator, Stanley Tucci retorna ao tema artístico. Inicialmente, a personagem do ator Armie Hammer seria de Colin Firth, que por incrível coincidência, nos faz pensar instantaneamente em “Mestre dos Gênios”. Foi melhor, até porque, sem há uma beleza natural, imponente, charmosa e elegante em um dos “agentes” da U.N.C.L.E. O filme, que se passa em 1964, teatralmente proposital, reverbera clichês e gatilhos comuns (“mordendo”), pontua sacadas-picardias de pintores famosos como Picasso, abordando a vida e processo de trabalho do artista excêntrico Alberto Giacometti (o ator Geoffrey Rush), único no pensar, que pintava a essência e não retratos. Assim, ele, de certo modo, demorando a realizar as obras, fornece humanidade e a saída da zona de conforto de seus “posadores”, que ficam “para sempre”, como parte da família. A narrativa lembra uma das peças de teatro de Samuel Beckett, mas não se sustenta no conteúdo, e precisa descambar ao vazio gratuito da presença close de Armie. Continua o diretor na coletiva de imprensa: “Você esta quebrado se você só faz filmes independentes” (por isso sua inclusão em “Transformers”. “Estes filmes ajudam a colocar comida na mesa. Meu pai era um artista e eu cresci rodeado por arte”. seu filme faz uma referência a Paris, um dos lugares vividos por seu personagem em “O diabo veste Prada”. Aqui ele disse que “não queria mostrar uma Paris turística” e que foi “artista desde jovem, mas que fez menos dinheiro que quando ator”. Três camerazinhas.