Bem-Vindos de Novo
13 anos e contas a pagar
Por Vitor Velloso
Durante a Mostra de Tiradentes 2022
A sinceridade do novo filme de Marcos Yoshi encanta a Mostra Aurora, na assinatura de um documentário que procura a reaproximação com os pais e a sensação de eternos imigrantes em um país que nunca deu certo. “Bem-Vindos de Novo” é um singelo longa onde o diretor procura entender a própria relação com seus pais, expõe sua fragilidade na função de filho e como a ausência é um sentimento particular de cada um dos três irmãos.
Um exemplo disso é a conversa em que discutem qual o sentimento que ficou após o retorno dos pais à terra natal, Japão. Mas alguns dos brilhos mais honestos do projeto se encontram no quão desconcertado o Marcos se sente diante dos próprios sentimentos, onde as incertezas e inseguranças tomam conta dessas relações tão íntimas e distantes, na mesma medida. A cena em que o diretor assume sua dificuldade de introduzir um registro na obra, por não saber exatamente como se sente diante do que vê, é particularmente bela. Trata-se de um gesto simples, pedir permissão ao pai que toque sua cabeça, mas é justamente a reação no rosto do senhor e a necessidade desse pedido, demonstrando a distância entre os dois, que faz a melancolia dar lugar à beleza.
“Bem-Vindos de Novo” é um misto de culpa com pesar dessa saudade moralmente aceita não ser materializada na tela. Quando Marcos admite que não sentiu tanta falta assim, parece culpar-se por isso, ao mesmo tempo que a progressão revela que sua fala carregava uma série de incertezas. Esse trabalho é feito especialmente pela montagem, que consegue transitar entre as memórias e o material de arquivo em diferentes formatos, costurando com as falas do diretor, em tom de confissão. Assim, o filme deixa os encontros com uma triste ternura, que é sempre substituída pela sensação de não-pertencimento à cultura brasileira. O sentimento comum dos imigrantes, nos trópicos subdesenvolvidos, reforça o deslocamento dessa família em solo nacional, algo que fica explícito nas falas do pai sobre como não há mais nada aqui para eles. Contudo, se a obra é capaz de concentrar sua força nas imagens e nos depoimentos, o vício do documentário pessoal pela fala sussurrada acaba pesando contra o projeto, que perde ritmo conforme o tom do processo é marcado por essa progressão dos sentimentos.
Está claro que o filme depende diretamente dessa dinâmica, seja para criar laços com as imagens ou mesmo entendermos as motivações do diretor, o problema é que acaba caindo em um lugar comum das produções recentes, tornando-se uma espécie de reprodução formal. De toda forma, esse sentimento de proximidade acaba permitindo que a estrutura do documentário consiga um desfecho dilacerante e inegavelmente sincero, como todo o longa. “Bem-Vindos de Novo” pode até desagradar uma parte de seu público, especialmente por sua lentidão, mas dificilmente será categorizado como maniqueísta. A comunhão enfrenta a dificuldade dos sentimentos durante a comunicação, uma quantidade de ressentimentos que se acumula na própria estrutura, quase permissiva com sua vida, partindo de um objeto tão pessoal que trabalha sua subjetividade na organização dessas imagens.
A simplicidade da linguagem, constrói o terreno para que o acerto de contas torne-se natural, mesmo que a melancolia seja uma nota insuperável. Por essa razão, quanto mais avançamos na projeção, mais difícil é enxergar um fim que se afaste desse tom. A saída é atravessar essa realidade que era construída, intervir diretamente na estrutura e assumir que esse respeito pela família e pelo pai, no próprio enquadramento no hospital, se resume aos traumas que não assumem uma feição distinta, da humildade diante dessas relações. Uma boa surpresa que a curadoria da Mostra Aurora nos reservou, provando que o caráter heterogêneo da competição é sua maior marca.