Belfast
Uma isca no topo do mundo
Por Vitor Velloso
Durante o Festival do Rio 2021
“Belfast” chega ao Festival do Rio como uma atração peculiar, tanto pelos trailers de divulgação ou pela curiosidade de ver o cineasta Kenneth Branagh se distanciando momentaneamente das adaptações de Hollywood (“Cinderela”, “Thor” e “O Assassinato No Expresso Oriente”, por exemplo) e trabalhando com Judi Dench, Jamie Dornan, Caitriona Balfe e Ciarán Hinds. Em meio às possibilidades de narrar o conflito histórico que dominou a região-titulo no final da década de 60, o diretor opta por uma abordagem que dialoga com um olhar lúdico diante dos conflitos políticos e dos excessos de violência, muitas vezes partindo da perspectiva da própria criança para entender onde está a beleza de um cenário caótico.
Essa decisão de tomar consciência do íntimo e procurar uma representação dessa ação através dos sonhos e desejos de uma família que luta pela permanência na amada cidade, faz com que “Belfast” seja uma obra que está sempre retornando às suas subjetividades. Por exemplo, a perspectiva infantil de uma caminhada pela rua torna-se o enquadramento de explosões e violência, da mesma maneira que o conteúdo espetaculoso de algumas cenas, coreografias e especiais de TV, estão sempre remontando um aspecto particular do contexto, não apenas histórico, mas também de seus personagens. O problema é que Branagh se perde na estilização e deixa de construir o contexto para além dessa postura diluída em focos, contrastes e anamórficas. E toda essa proposta imagética, que pode ser atraente em um primeiro momento, perde força exponencialmente com a progressão, já que o encantamento dá lugar às inúmeras repetições de um suposto rigor formal, normalmente marcado pelos espaços recortados pelos cômodos.
Ainda que exista alguma beleza em determinados enquadramentos, a sensação é que Branagh procurou estetizar como Paweł Pawlikowski, nos espaços demarcados de “Um Limite Entre Nós (2016)” e acabou transformando “Belfast” em uma experiência excessivamente enclausurada pelo próprio sonho de ser lúdica. O recurso do preto e branco dialogando diretamente com as cores vibrantes da arte e dos diferentes tempos não são o suficiente para sustentar um projeto que sonha com a representação mas se vê incapaz de resolver as próprias carências. Não por acaso, prepara lentamente a emblemática frase de “Titanic”, negociando a memória de nascimento do navio que naufragou. Mas todo esse preparo não mantém a coisa no topo, muito menos faz funcionar um drama que gira em círculo o tempo todo e não desenvolve a própria relação de seus personagens para além de uma paisagem superficial de um comercial televisivo. E esta é a sensação que fica durante a maior parte da projeção do filme: um grande cartão-postal que tenta cantarolar em meio à violência e destruição, fugindo das problemáticas políticas que vão se amontoando.
Enquanto “Belfast” investe em seus fortes contrastes e profundidades de campo para seduzir o olhar do espectador, perde o pulso com sua própria narrativa e deixa que seu bom elenco não saia de um lugar comum. Jamie Dornan e Caitriona Balfe estão bem e conseguem transmitir uma certa preocupação constante com o futuro de sua família, mas existe um aspecto canastrão que nunca deixa a coisa ir para um drama tedioso, assim como não utiliza bem os escapismos. Judi Dench e Ciarán Hinds conseguem salvar boas cenas, especialmente um diálogo próximo à beira da janela. Ainda assim, é mais provável que o espectador não compreenda a narrativa para além do isolamento proposital da linguagem, que ora se concentra no rigor dos espaços, ora procura o clichê das cenas de ação, com os soldados no primeiro plano e os rostos assustados ao fundo.
Branagh se perde nos encantos de orçamentos menos estratosféricos e mais controle formal. Acaba realizando um filme que está sempre no meio termo e permanece indeciso sobre o desenvolvimento de seus personagens. E como o cenário político não é a intenção principal de “Belfast”, os eixos dramáticos deveriam ser uma preocupação mais intensa. No fim, o projeto ainda vai conquistar algum público, não apenas pela beleza imediata de um plano ou outro, mas pela atuação central de Jude Hill, ator de imenso carisma que dá alguma liga nesse mar de confusão que não sabe para onde caminhar. Ninguém pode negar que Branagh fez uma isca e tanto pro Oscar, pode vir a ser o “Jojo Rabbit” (2019) do ano.