Batman
Morcego (des)focado
Por Ciro Araujo
Em uma corrida de autoaceitação do gênero super-heróico, surge “Batman”, novo filme do hollywoodiano Matt Reeves. E já é ousado, porém sensato fazer a primeira comparação, uma relembrança de “Coringa”, lançado dois anos e meio antes desse novo reboot da franquia. Fato é, a temática sempre foi uma brincadeira fílmica dentro dos sets, como as festas de Halloween no continente norte-americano. Scorsese levantou a polêmica que hoje é a sina dele: “filmes da Marvel não são o cinema que estou acostumado, são como um parque de diversões”. Fica claro que o público – que a partir dos anos dois mil sempre foi amplo – gostaria de ser reconhecido como algo sério, um ourives artístico. Não tem como correr desse debate em meio à tentativa, ela é inegável pois traz já conceitos culturalmente colonizadores, tanto é o tanto de termos anglófonos e citações de eventos da chamada “cultura pop”.
Eis que surge uma outra necessidade: recontar, pela quinta ou sexta vez, uma mesma história sobre um personagem. Essas franquias tendem a entrar agora em um já estabelecido ciclo industrial cinematográfico do século XXI na etapa próxima ao limbo. “O que fazer?” é a pergunta da vez. Avançar muito, decidir criar um multiverso (termo utilizado antes como piada e agora parece um uso científico em “filmes de boneco), fazer uma prequela, fincar as pernas no chão e contar uma história? Essas são perguntas que os estúdios se encontraram já há alguns anos e em “Batman” a decisão foi fugir da fórmula Marvel. Contratar alguém que potencialmente tenha a capacidade de gerir uma produção com grande orçamento, mas que também possua capacidade artística próxima à política autoral, talvez. Matt Reeves entra em cena, ao provar sua capacidade de fazer lucro nos dois últimos “Planeta dos Macacos”. Mas a verdade é que a fórmula de herói ficou datada, e tem tempo. Escrever uma sentença assim já é inclusive dizer o óbvio, mas parece que não adianta de nada; a Warner continuou escolhendo entregar um caminho de três arcos, encontrar um par romântico, batalha final e correr tudo bem.
Então entrega-se o de sempre. Matt Reeves escolhe um personagem como Charada (devidamente escalado para o tenebroso Paul Dano), e percebe que sua roupagem é ideal para a correlação e escalonamento das redes sociais alternativas. Páginas como 4Chan, até o moderado Reddit são espelhos para ataques cibernéticos e mais pela frente físicos contra uma sociedade imoral. A imoralidade, por sinal, sempre foi uma temática central na gótica Gotham (pleonasmo). E o encontro do diretor, um nova-iorquino, parece de uma simplicidade fora de foco dentro do longa-metragem. Se o tema já foi tão explorado, por que repetir ele apenas com outra roupagem? Existe no meio dessas reinicializações de franquias uma ideia de respeitar o original. A questão que paira é como enfrentar o legado de um enquanto produz algo novo. É difícil, talvez inclusive explique a crise de criatividade de Hollywood, mas já é uma outra conversa sobre.
Sobre o gênero de heróis e vilões, eis que surge o debate: “todos são bonitos e ninguém tem tesão”, diz a coluna de Raquel S. Benedict. A conversa já é larga o suficiente, mas é uma vistoria bem aproximada de como os filmes do estilo cinematográfico perderam a sensualidade (e por consequência o prazer), apesar de manterem uma beleza esculpida. Uma “autoafirmação”. Nesse novo reboot do super-herói morcegal, Robert Pattinson surgiu como uma bomba no ambiente pop. Dentro de uma crítica do filme é impossível endereçar a escrita sem o citá-lo. Sua dedicação e ao mesmo tempo obsessão em retratar o morcego é estranha, uma reentrada dele no ambiente do cinema hollywoodiano após Crepúsculo e seu caminho independente. Agora, decide participar de um projeto que respira a aura de aceitação como um filme-arte. É curioso e sintomático. “Batman” é o filme do vigilante que a sensualidade mais atua. Não pela terceira (ou seria quarta?) aparição nas telas da mulher-gato, mas pela jovialidade e química dos dois personagens, que acabam se tornando muito mais coprotagonistas. De fato, os diálogos entre ambos são de baixa qualidade, novamente um traço da pulsão que é ser lido como sério, o que torna o relacionamento de ambos algo anticlímax. Mas, querendo ou não, em um filme em que o marketing possui uma interligação no comunicativo, dois atores jovens e sensuais afetam o além-tela e como acontece a percepção. Ponto para um gênero onde o sexo está escondido em ermos desertos.
Tecnicamente, o filme de Matt Reeves é uma dicotomia. A fotografia de Greg Fraiser é desfocada, trabalha com luzes que atingem diretamente a lente da câmera e uma profundidade de campo baixa. Atinge de uma forma diferente, indo em contrapartida do habitual tesão pela nitidez que os filmes de herói desejam. Na realidade, o longa-metragem é em constante desfoque, dando a preferência à luz de fundo aos protagonistas. Talvez ainda padeça de um mal dos filmes digitais (é o primeiro do Batman) aos filmados em película: estão cada vez mais escuros, elevados pela tecnologia de “nits” das novas televisões. Já a montagem é também desfocada, mas nesse sentido traduz-se como aspecto negativo. O previsível é entregue: ações que sempre parecem o já visto, sem impacto e apenas uma mera formalidade. Matt Reeves não quer de nada saber sobre um bom soco. E quando impacta são em cenas quietas, onde dependem de uma atuação mais carismáticas dos próprios atores. John Torturro, incrível como sempre, mesmo limitado arrasa e entrega calafrios inesperados à audiência. O Pinguim de Collin Farrell é, ironicamente, só um rostinho ali. Serve como um capanga, um Fredo Corleone, mas que não muito serve dramaticamente. Na realidade até possui sua função, mas para interpretar um erro de linguagem tão tosco que coloca o espectador de volta ao chão para relembrar o que ele está assistindo. Sim, há sempre um preconceito velado diante do gênero.
E assim, corre para finalmente suas temáticas: a corrida para ser levado a sério também afeta nas influências estéticas. A música frequentemente sobre-usada; o departamento de arte que a indústria em muito se acode e idem em muito traz desdém para cima; ou a maquiagem absurda de Collin. O processo lento de investigação do morcego refaz caminhos lógicos que as adaptações de quadrinhos gostam muito. Frank Miller e seu altíssimo contraste ficam felizes com isso.
Enquanto uma enxurrada de imoralidade já vista afeta “Batman”, mais pontas de roteiro encontram-se para completar a longa duração do filme. Explica-se assim o porquê Robert Pattinson divide um protagonismo com Zoë Kravitz; há uma necessidade constante de entregar sempre mais na obra de Matt Reeves. É sempre uma construção maior e melhor, quase como um produto de informática que precisa vir com tudo que as obras de antes vieram, mas superando-as. É uma ambição grande demais para ser reconhecida, mas que esquece de sua própria construção linguística. Cenas menores se destacam, enquanto um plano maior parece grande demais já pensando nas (já confirmadas) próximas duas sequências. Hollywood é safada demais para não enxergar oportunidades.