Banquete Coutinho
A paixão por Coutinho
Por Vitor Velloso
Durante a Mostra de São Paulo 2019
Eduardo Coutinho não é só o maior documentarista da história do Brasil, como diversos outros documentaristas criam obras extensas sobre o cineasta. Inesgotável e atemporal, Mestre Coutinho segue ocupando as telonas após o fim de sua estadia entre nós.
Em “Banquete Coutinho”, Josafá Veloso se debruça em uma conversa e constrói por um pouco mais de uma hora recortes diversos de falas de Coutinho para ilustrar seu processo de criação. O longa-metragem está preocupado em ouvir as falas de seu protagonista e ilustrar os pensamentos com obras do mesmo, mas acaba dando tanto espaço às imagens do ídolo, que pouco reforça a identidade e função da obra que estamos assistindo.
Por mais que seja reconfortante escutar o diretor novamente, a obra fica solta em sua própria estrutura, já que tensiona demais aquilo que deveria ser um diálogo direto. Não à toa, por diversos momentos o público se pergunta qual a real intenção em fazer o filme, em especial quando o material de arquivo parece não ilustrar as falas, soando uma muleta frágil que apenas reforça a qualidade de Coutinho, algo desnecessário.
Assim que a projeção se inicia, o espectador vê um diálogo entre Eduardo e uma criança, possivelmente o melhor momento do longa, que demonstra o profundo carinho pelas pessoas, em especial as crianças, o sorriso genuíno da garota ao brincar com Eduardo é desconcertante até para o veterano. Logo após essa introdução inicial, algumas tentativas de falas poéticas por parte de Veloso e uma narração que busca uma profundidade maior, acaba permitindo uma quebra no ritmo do desenvolvimento dessa proposição íntima da obra de Coutinho com o cinema e o próprio Josafá.
Ainda que as questões sejam relevantes, é mais difícil que parece se conectar com aquelas imagens, já que seu fluxo é constantemente inclinado à assistirmos, novamente, uma gama de entrevistas que já foram reprisadas inúmeras vezes nos últimos anos. E Veloso acaba compactuando com um ciclo de filmes póstumos que pouco acrescenta ao espectador. Mas nada disso corrompe com o projeto, mas o enfraquece em estrutura e discurso.
Porém, Josafá consegue extrair algumas respostas interessantes no processo, em especial quando Coutinho revela que se recebesse uma enxurrada de críticas negativas teria desistido de tudo e feito outra coisa da vida. Vindo de alguém do calibre do cineasta, a fala soa um artifício de carreira bastante curioso. Além da demonstração bastante passiva durante a conversa, a abertura que há no diálogo reforça uma caráter mais intimista do momento que está sendo filmado.
Enquanto a projeção caminha para seu fim, fica claro para o espectador que o conforto de Coutinho está diretamente com o diretor, mas também com a produção. Familiar e memorial o cinema lança sobre sua imagem algo que projeta a alma do homem com a voz arranhada, o cigarro sempre aceso e o olhar de quem entendia o ser humano como ele é, não apenas objeto de seu filme. E essa é a melhor relação de “Banquete Coutinho” com a obra do homem que está no título, o cinema. O amalgama que se instala, vem dessa paixão que mais consome que liberta, e ainda assim decidimos seguir, seja por encantamento ou uma dose de masoquismo.
Devo reservar o fim do texto para falar da minha relação com o cinema de Coutinho, o que explica eu ter saído da sessão de “Banquete Coutinho” com sorriso no rosto, ainda que cite acima questões formais e estruturais que me tiraram da experiência. Lembro de ver uma entrevista e me perguntar acerca da voz, da aparente melancolia, ainda que falasse de cinema. Poucas vezes fiquei tão intrigado com alguém, decidi estudar sobre Coutinho e meses depois me vi deprimido com o cinema e fumando. Claro que a culpa não foi desse aprofundamento com sua obra, mas acredito ser uma pequena compreensão de seus sentimentos sobre Brasil e sua cultura. Talvez eu tenha projetado em mim, esse espelho de decepções com um país que tanto defendo e luto por. Há algum grau de masoquismo nisso.
Após a intervenção pessoal… “Banquete Coutinho” tinha material para ser uma obra diferenciada sobre o cineasta, acaba caindo em armadilhas passionais, mas consegue ser didático em apresentar o cinema do Mestre e seu processo de criação.