Attica
O massacre na terra da liberdade
Por Vitor Velloso
Indicado ao Oscar 2022 na categoria de melhor documentário, “Attica” dirigido por Stanley Nelson e Traci A. Curry, cumpre o importante papel de retratar os acontecimentos da maior rebelião em uma prisão norte-americana, ocorrida em 1971, entrevistando ex-detentos, pessoas que participaram das negociações e figuras mediadoras.
Apesar da importante temática, o filme se estrutura nas entrevistas e no escasso material de arquivo, tentando reconstruir o contexto para que o espectador possa compreender os acontecimentos que levaram ao massacre de 29 detentos e 10 reféns mortos pela ação policial. “Attica” trabalha com os depoimentos na intenção de remontar a ambientação e a efervescência da rebelião, adicionando ao projeto uma nova perspectiva que as imagens não são capazes de dimensionar. O grande problema do documentário é que sua falta de contextualização política e ideológica do momento, faz com que o evento, isolado historicamente pela mídia, fique ainda mais recluso, já que não temos acesso às ações da grande imprensa quanto ao caso, nem mesmo depoimentos da população sobre a rebelião. Ou seja, nem mesmo a opinião pública, constantemente manufaturada pelas grandes corporações, são introduzidas em uma obra que dedica parte de sua projeção para mostrar que o problema é de ordem estrutural, não um caso isolado, e que o massacre era explicitamente racista. Portanto, quando vemos um dos policiais gritar “Poder branco!”, próximo ao fim da projeção, a película sugere que tais atitudes estejam presentes nas instituições do Estado, mas não imbricadas na sociedade.
Tal interpretação fica a cargo de alguns entrevistados que comentam sobre a presença total de guardas brancos em uma cadeia majoritariamente ocupada por negros, sendo conhecida como “A última parada”, por ter reputação violenta e de péssimas condições. Dessa forma, “Attica” é um filme que possui um ritmo acelerado para dar conta de determinados fatos, mas não desenvolve uma base capaz de provocar discussões para além de uma superficialidade imediata. O recente documentário “A 13ª emenda”, de Ava DuVernay é um bom complemento para o espectador que pretende seguir com as discussões propostas no longa de 2022.
A montagem acelerada procura dinamizar o ritmo dos depoimentos, mas acaba fragmentando os discursos e transforma a obra em algo corrido, desorganizado e que acaba descontextualizando certas imagens. Por exemplo, há a repetição de determinadas tomadas, inseridas em diferentes falas dos entrevistados, ou seja, uma tentativa de ressignificar as ações vistas no material de arquivo para o novo contexto descrito. Ainda que a ideia seja particularmente antiga, podendo ser bem utilizada em outras circunstâncias, retira poder dessa “reconstrução” feita em duas frentes distintas: a oralidade e materialidade. Não por acaso, existem alguns recursos dramáticos que estão ali para provocar uma imersão, como o som da sirene na prisão, tiros e gritos, que são inseridos por cima da montagem.
Esses artifícios apenas reforçam que “Attica” se articula de maneira muito frágil diante de um tema tão complexo e com explícitas representações das falhas institucionais e sociais da “terra da liberdade”. A própria intenção de tornar o sofrimento ainda mais familiar, trazendo os filhos de reféns assassinados pela polícia, possuem a intenção de provocar uma reação imediata no espectador, como um produto televisivo. Essa característica se mantém durante as quase duas horas de projeção, demonstrando que a indicação ao Oscar se deve pela temática, não pela forma com que a mesma é representada na tela.
De toda forma, a indicação ao prêmio pode ser compreendida pela importância da temática, e uma forma de mediar a transição política vivida pelos EUA nos últimos anos. Para o espectador brasileiro, Carandiru seguirá como um fantasma na memória, mas com todos os traços do subdesenvolvimento que não passam no filtro da Academia, a indicação foi a conciliação. Em parte, “Attica” tem poucas chances de levar a estatueta, mas seu papel denunciatório é cumprido, com a diluição necessária para ser lembrado pelos tubarões de Hollywood.
Por fim, a própria questão Nixon x Rockefeller é reduzida à negligência dos detentores do poder, e apenas. Stanley Nelson já teve dias melhores.