Curta Paranagua 2024

Assassinos sem Punição

O preço da impunidade

Por Vitor Velloso

Durante o É Tudo Verdade 2022

Assassinos sem Punição

A impunidade dos nazistas após o fim da Segunda Guerra Mundial é o tema do documentário “Assassinos sem Punição”, dirigido por David Nicholas Wilkinson. O longa vasculha em registros e depoimentos uma resposta que explique a razão dessa massiva negligência, onde “noventa e nove por cento dos responsáveis nunca foram processados; a maioria não foi sequer interrogada” (trecho da sinopse divulgada pelo festival “É Tudo Verdade”).

Os Julgamentos de Nuremberg são conhecidos pelo grande circo midiático que foi promovido, ainda que pelo êxito ínfimo diante da brutalidade dos acontecimentos. Parte dessas razões são explicadas pelo filme, ao longo da projeção, que procura uma contextualização didática dos horrores do Holocausto e o motivo da indignação que dá origem ao próprio projeto. Assim, a estrutura de “Assassinos sem Punição” segue uma cartilha particularmente conhecida dos documentários que se aproximam de uma linguagem televisiva. Contudo, a decisão de introduzir nosso anfitrião por este “passeio” dos eventos, não funciona muito bem, já que o ritmo fica cada vez mais fragmentado com as intervenções do personagem e a dinâmica depende diretamente dessa condução mimética. Tais escolhas criativas provocam um ar de sensacionalismo na produção, que aparenta “escavar as verdades por trás de um sombrio mistério que o Ocidente deve se explicar”.

Porém, essa mesma fórmula, que acaba falhando em diversos momentos durante seus quase cento e oitenta minutos, é capaz de provocar algumas percepções novas em uma temática amplamente explorada. Um exemplo disso é a imagem que explicita todo o funcionamento de Auschwitz na região, mostrando a distância entre as três instalações do campo de concentração e qual a funcionalidade de cada uma, tanto para o extermínio, como para o desenvolvimento da Alemanha Nazista, motivo e/ou efeito, da Guerra. A partir desta construção, o documentário consegue exemplificar como o termo “indústria, ou fábrica, da morte” não é apenas uma maneira de categorizar o processo, mas como existia uma rigorosa divisão de trabalho entre os nazistas, em prol do genocídio praticado.

No entanto, quanto mais avançamos em “Assassinos sem Punição”, mais os elementos sensacionalistas tomam conta da forma e um certo caos se torna inevitável, a trilha sonora passa a traduzir o que a montagem procura articular e mesmo as tentativas do cineasta de colocar o dedo na ferida europeia, assumindo os diversos holocaustos ao longo da história, não apenas no nazista, o filme começa a se perder em meio aos depoimentos e materiais de arquivo. Como esse desenvolvimento acontece a partir do processo investigativo, ideia central do longa, o espectador acaba fazendo parte desse fluxo de informações, em uma espécie de encaixe sempre por fazer, um tanto desordenado, ainda que particularmente informativo.

O constante sentimento de um certo sensacionalismo das descobertas é mantido até o fim da projeção, com a velha estrutura de puxar certos gatilhos na trilha sonora, dinamizar a montagem ou mesmo a utilização do material de arquivo com o fundo padronizado, acaba trazendo a longa experiência de “Assassinos sem Punição” para um cansativo retrato da negligência Ocidental, especialmente norte-americana, que chegou a ter nazistas contratados pelo governo. Ainda assim, existem duas sequências que são capazes de gerar um debate maior a partir do que é exibido no documentário. 1- Um dos entrevistados comenta sobre como a grande política de esquecimento dominou a Europa após o fim da Segunda Guerra. Esta questão é alertada por Adorno em “Aspectos do novo radicalismo de direita” que fala sobre os riscos desse tipo de atitude e como esse processo ocorre. A introdução de Safatle, no livro, ainda exemplifica o recente filme de Petzold, “Phoenix”, como um produto cultural que debate tais questões. 2 – Como a ideologia nazista conseguiu permanecer na Alemanha pós-guerra, mantendo uma cortina de ferro sobre o assunto.

Ambas questões podem ser discutidas à exaustão no atual cenário (geo)político europeu e servem como uma denúncia do que essa impunidade pode gerar à longo prazo em um continente inteiro, ainda que uma certa projeção do ego do cineasta acabe sobressaindo nessas quase três horas de projeção.

3 Nota do Crítico 5 1

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