Assassinato em Sparrow Creek
Submundo na terra da liberdade
Por Vitor Velloso
Cinema Virtual
“Assassinato em Sparrow Creek” de Henry Dunham é um projeto curioso que chega ao streaming brasileiro. Sem se diferenciar muito da velha moral que rege os filmes que aterrissam no meio digital, o longa possui uma construção particularmente distinta dos demais. O barato aqui funciona como um jogo de ação e consequência de um jeito extremamente pragmático, é tudo muito reativo e de bate-pronto. Uma cena de tensão dramática é resolvida em três cortes: plano, contra plano e corda. E quando as coisas funcionam nessa linha, algum entretenimento é viável, já que a estrutura recusa qualquer exposição para além do óbvio.
Mas toda vez que temos um diálogo o caldo engrossa. A necessidade de tornar as coisas mais complexas para que algum plot-twist mirabolante ganhe o público, é de uma chatice tremenda. E “Assassinato em Sparrow Creek” se prepara para esse momento desde seu primeiro plano, mas é incapaz de surpreender ou causar impacto. Persegue essa ideia barata até o fim e parece nadar contra uma montagem que mantém as coisas funcionando. Josh Ethier não tem uma carreira brilhante mas mantém essa pegada imediatista da síntese imagética, e consegue bons momentos aqui, recortando os espaços para um isolamento que funciona na maioria das vezes. Porém, a falta de uma estrutura minimamente concisa em um roteiro que está mais perdido que o espectador, faz com que esses esforços se tornem ciclos tediosos de diálogos exaustivos e tentativas desesperadas de confusão narrativa.
Parece que a crença nessa reviravolta óbvia, norteia um projeto que tem ambições interessantes, ainda que não consiga levar adiante a própria ideia. Não por acaso, quanto mais próximo ao fim estamos, mais entediados ficamos. As coisas perdem o propósito e parte daquela podridão norte-americana que se revela ao longo da projeção se torna um mero dispositivo para um discurso moral ao seu fim. Uma das últimas falas do filme é a porta de entrada para o didatismo recorrente da indústria, um flashback incompreensível e desnecessário que atravessa a tela para que toda a tensão vá por água abaixo.
“Assassinato em Sparrow Creek” procura uma lentidão proposital para queimar lentamente seu suspense, ainda que haja de maneira quase inconsciente na institucionalização dos conflitos que apresenta. E essa falta de concretude na assimilação entre milícia e polícia, é o campo perfeito para que os fetiches sejam explorados. A violência está nas ideias, nunca na prática em si. São as ordens de discurso que imperam aqui, é sempre a suposição que gera algum tipo de rebuliço entre os personagens. Não por acaso, as duas cenas mais explícitas que quebram esse paradigma são interrompidas de maneira súbita. A primeira é uma ameaça de tortura que o filme finda com um corte e um movimento rápido de câmera e a outra é a da roleta russa, sempre atravessada por flashbacks. Quando não há o que ser debatido, o pragmatismo entra em cena, do contrário, o tédio reina.
O jogo formal pode até segurar parte dos espectadores até o fim da projeção, mas dificilmente será um grande motivo para debater o filme horas depois. A indústria não consegue largar seus vícios de representação e sempre se repete atrás de mais retorno financeiro. Pelo menos, ficou claro que Henry Dunham possui alguma ideia por trás de sua direção, ainda que não tenha grandes trunfos para apresentar como roteirista. Longe da diretriz de um S. Craig Zahler, o pragmatismo aqui possui outra virtude, quase primitiva, que encontra uma rigidez a partir da dinâmica entre os planos, na montagem intelectual, e não no próprio quadro em si. São esses recortes de espaço que fazem “Assassinato em Sparrow Creek” ser um filme que difere da maioria presente na plataforma de streaming, ainda que mantenha uma moral inabalável às instituições conservadoras, mesmo atacando algumas mais radicas. É a direita botando o dedo na cara da extrema-direita.