Armas em Jogo
Senhor das Armas
Por Laisa Lima
Transformar um vídeo game em filme não é tarefa fácil, considerando toda a criação de um universo próprio que, por vezes, é tido como irretocável pelos mais aficionados nesse tipo de divertimento. Porém, e se o cinema transitasse em uma atmosfera de jogo? Seria possível atingir uma aparência que agradasse tanto os que buscam por entretenimento quanto os gamer mais críticos? Utilizando de crossover explicitamente voltados para esse último público, “Armas em Jogo” (2019), de Jason Lei Howden, cria na tela um passatempo particular do diretor, que pode converter-se em lazer para alguns espectadores. Entretanto, para àqueles mais ortodoxos em relação à temática dos filmes, a película pode exigir um olhar um pouco menos rígido. E ortodoxo.
Se existe um longa-metragem análogo a outros, esse é “Armas em Jogo”. Na trama, Miles (Daniel Radcliffe) é obrigado a participar de um jogo suicida, no qual precisa salvar sua ex namorada (Natasha Liu Borddizzo) e assassinar Nix (Samara Weaving) antes do final do dia. Tudo isso com um detalhe: o personagem possui armas aparafusadas em suas mãos pelos capangas d’aquele que inventou o “jogo”. A cada cena do filme, essa infelicidade é difundida em forma de uma estética moderna, colorida, cibernética e, às vezes, cansativa. E a partir daí começam as semelhanças com outras obras que beberam (ou tentaram) da mesma fonte.
Na apresentação de Miles, “Aves de Rapina” (2020) se faz presente no modo em que a aplicação de ilustrações multicolor e uma narração voice over ritmada rapidamente e conectada com os desenhos, ajuda o personagem a introduzir sua própria história. O filme de Cathy Yan também dispõe de uma marcante característica: a violência exacerbada com a assistência sanguinária de um enfoque em câmera lenta dos movimentos mais agressivos nas cenas de combate, o que é trabalhado em “Armas em Jogo”. Realçando o visual de game com que o longa-metragem é conduzido, “Scott Pilgrim Contra o Mundo”(2010) é o destino dos que estão em dúvida sobre a equivalência estética da obra de Howden, que mexe com elementos já manuseados em “Scott Pilgrim”, como os cortes transitórios, personagens levemente excêntricos e o toques de comédia.
Como última comparação, “The Nerve” (2016), de Ariel Schulman e Henry Joost, detém uma proposta parecida com “Armas em Jogo”, consistindo em um igualmente doentio jogo virtual com uma audiência composta por jovens um tanto impiedosos e movidos pela necessidade de um pertencimento. Além do enredo, a aposta em cores neon e músicas com sintetizadores (na maior parte do tempo), tornam a equidade quase uma obviedade. Salientando a intenção de emergir no espectador uma adrenalina obtida em determinados games, a obra aqui discutida se torna mais singular ao investir em câmeras de ação acopladas ao corpo do protagonista ou em objetos próximos, e na câmera giratória, um artifício que após ser repetidamente manipulado, se torna quase fatigante. A montagem dinâmica na qual os vários ângulos tornam-se uma arte de colagem, mesclados as espalhafatosas explosões e tiroteios (coerentes com a situação do protagonista) trazem, em um certo ponto, uma posição cansativa ao espectador.
Com um único lado, o personagem de Radcliffe – que tenta oferecer uma maior profundidade a Miles – mostra-se previsível, apesar de uma possível identificação com o público por meio da tentativa de mantimento de sua integridade diante de um caos. Contudo, o desejado ar enérgico passa por cima de ter uma narrativa mais refinada, visto a única fórmula testada no longa-metragem; os acontecimentos na caça de Nix – com a atuação de Weaving como um ponto forte – à Miles. Sendo isso repetido durante todo o filme, as situações vividas pelos dois vão de incitantes até ultrapassadas, se esforçando para retirar esse pensamento da mente do espectador procurando inovar nos ocorridos, mas se tornando mais do mesmo. A ajuda dos demais personagens também não é suficiente para reter o tom alucinante que o início da película induz, revertendo-se em um incômodo até com o exagero de movimentos rápidos da câmera.
Jason Lei Howden pretendia levar à “Armas em Jogo” um viés mais estimulante, já que sua composição poderia transpor a emoção sentida por um gamer, para as telas das demais pessoas, sejam elas jogadoras ou não. Em partes, o objetivo foi concluído pelo filme, no qual um escape originado pela chance de um assassinato faz-se divertido, o que não é fácil de ser encontrado em películas elaboradas com normalidade. Ainda assim, o longa-metragem cansa por conta de sua pretensão ao querer desempenhar o papel de um filme peculiar e dono de uma plástica única, não excluindo a vontade de ser consumido como uma ação sem freio. Os personagens, por sua vez, mesmo ao tentarem explicar suas motivações como fez a “vilã” Nix, as questões de tais pessoas parecem não ser muito relevantes, cobrindo apenas um espaço reservado para uma causa na história. Não adentrando o mérito de comparação com a qualidade dos filmes que aqui foram referidos, a principal obra discutida possui um caráter próprio em vista do jeito em que a plasticidade vibrante foi empregada, mas deixa a desejar no quesito inovação como um todo. Depois de tudo isso, a lição de moral é: originalidade não está no excesso, e sim no processo.