Mostra Um Curta Por Dia 2025

Aqui

Uma ode à existência do agora

Por Fabricio Duque

Aqui

Talvez a resposta da busca mais universal dos seres humanos para encontrar a paz e o equilíbrio existenciais  já esteja no exato instante em que se vive e no encontro com o agora. Tudo fora desse momento é passado ou projeção. Memória ou futuro. Assim, esse aqui, simbólico e subjetivo, pode ser traduzido, inclusive semanticamente, como um estágio da plenitude real e da verdade concreta-possível, sem antes, sem depois e sem ensaios para acontecer. Mas como conseguimos enxergar e captar a invisibilidade do aqui se já estamos automatizados em nossas percepções? Como contemplar a calma genuína e a felicidade desmedida que não precisam de mais nada? Pois é, mais uma vez, o cineasta Robert Zemeckis consegue trazer essa metafísica pela suspensão do tempo, quando atravessa épocas e intercala detalhes referenciais de períodos vividos do mundo. O longa-metragem “Aqui”, que traz o mesmo elenco principal de “Forrest Gump – O Contador de Histórias” (Tom Hanks e Robin Wrigh), além do escritor Eric Roth, o diretor de fotografia Don Burgess, o designer de som Randy Thom, a figurinista Joanna Johnston, e principalmente a música de Alan Silvestri (que utiliza acordes semelhantes do filme anterior e nos emociona sem nos manipular), é, acima de tudo, uma experiência formal. Uma viagem temporal por um espaço intimista, pessoal, interno, privado e dotado de pertencimento, idiossincrasias e jeitos particulares de preenchimentos. 

Em “Aqui”, não há protagonistas e sim “proprietários”, provisórios e determinados pelo tempo natural da vida e ou por novos propósitos – ainda que o filme foque mais na família de Tom Hanks e seus derivativos. A verdadeira “estrela” é a sala da casa, o único ambiente-cenário mostrado, que conta as histórias pelo silêncio, pela observação, como se fosse uma câmera documental, estática, submissa e passiva de reações, entre mudanças de decorações e objetos que definem suas famílias e seus modos de vida. Zemeckis projeta assim uma fábula túnel do tempo, pela magia realista de encontrar detalhes marcantes, icônicos e de causa primária para construir uma linha de encontros dos passados pretéritos perfeitos, imperfeitos e mais-que-perfeitos, entre preâmbulos e desenvolvimentos narrativos, por indicativos quadros quebra-cabeças, em curadoria, montados em tela (como um print foto para pontuar a importância e para lembrar depois), desde dinossauros, indígenas a simples cadeiras solitárias. Tudo o que assistimos é um épico da criação construtivista-darwiniana do mundo e de suas sociedades derivativas, pela percepção livre e poética de um diretor que sabe incorporar as camadas do tempo. 

“Aqui”, uma ode à existência humana, quer mostrar a evolução e o progresso dos comportamentos e costumes sócio-políticos desse mundo. O filme inclusive pode ser considerado uma obra de antropologia ficcional, em que arquétipos são analisados, desconstruídos e/ou mantidos, a figura do marido antiquado e conservador, as obrigações da mulher dona de casa, o sufrágio, os preconceitos contra os porto-riquenhos, os anos oitenta, a corretora de imóveis, o vendedor de seguros, a televisão (o “rádio com imagens”), a Ação de Graças, lutar contra “os comunistas”, hipoteca, a gripe, as recessões, a histeria dos Beatles, o filho mais rebelde e os efeitos da guerra, por exemplo. “Aqui” está em movimento ao mostrar toda essa vida acontecendo. Além de ser uma “máquina” universal, teatralizada e eternizada de memórias, sonhos, risos, frustrações, perdas, lutos, “sacrifícios”, alegrias e sofrimentos de várias famílias passantes, quer também entender certas tradições do agora. Busca-se também, pela mise-en-scène da vida como um conto-de-fadas, nossa identificação e comoção a essas emoções apresentadas. 

“Aqui”, filme baseado na novela gráfica homônima de Richard McGuire (publicado pela primeira vez em 1989 como uma tira na revista de quadrinhos Raw), também pode ser visto como uma obra de auto-ajuda (de “coach da vida” e mensagens dos biscoitos da sorte), de um “tempo que voa” e que a melhor hora para fazer as coisas é o agora. De que não devemos programar nada e sim viver, antes do esquecimento inerente e factual. Construir lembranças. Quem não lembra da frase “se arrepender do que fez”, não é mesmo? Essa parábola moderna, que atravessa épocas e gerações, chega, passa o “ensinamento” e muda de perspectiva no final. Sai de cena, nos arrepia e fica “aberta a visitas”. “Aqui” é uma sensível obra que nos imerge em nossos próprios quereres, amores, sonhos, desejos e nossas esperanças e projeções em busca de futuro próximo e de final feliz e que nos questiona também sobre isso: de que esse futuro promissor já acontece no Aqui, no agora e neste exato momento em que escrevo estas linhas.

4 Nota do Crítico 5 1

Conteúdo Adicional

Deixe uma resposta