Aprendiz de Espiã
Uma Ação Familiar
Por Adriano Monteiro
Admito ter ido a sessão de imprensa de “Aprendiz de Espiã” sem muitas expectativas. O longa-metragem dirigido pelo veterano Peter Segal, conhecido por “Agente 86” (2008), parecia retornar as comédias norte-americanas de espionagem com o mesmo teor. Fui com a espera de um “filme para boi dormir”, ou melhor, para “americano dormir”. No entanto, mesmo com os padrões idênticos ao filme de ação “puxa saco” de uma identidade estadunidense nacionalista, e claro, contra russos, ele impressiona positivamente pela sensatez e muitas (mas muitas referências) à cultura pop do país de origem. O resultado é um saldo divertido de recursos narrativos antigos, mas que se atualizam ao buscar mais conectividade com o público jovem e o que se espera atualmente de um herói. Ainda que muitas vezes não passe disso.
“Aprendiz de Espiã” se inicia com a missão de JJ, interpretado com convicção por Dave Bautista. A violência aqui é neutralizada pelas explosões, slow motion e gracejos carregados de referências. Há uma repetição exaustiva de elementos, que servem para carimbar uma invencibilidade no já protagonista. No entanto, sua condição “super-homem” é logo rebatida pelos chefões. Sua masculinidade “quebra tudo” é suficiente para que seja substituído em missões mais importantes e estratégicas por uma mulher. O movimento de protagonismo feminino entra em doses homeopáticas nos primeiros minutos de projeção. No que engana ser uma obra de um personagem só, já que logo descobrimos a presença carismática da pequena Sophie (Chloe Coleman), a atriz ganhou notoriedade pela Skye Carlson no seriado “Big Little Lies”.
Enviado para uma missão constrangedora e com uma parceira mais constrangedora ainda. Bobbi (Kristen Schaal) é a mente hack da equipe e também não é muito levada a sério por JJ. Os dois precisam se infiltrar no prédio como moradores para espionarem através de câmeras a rotina de Sophie e sua mãe Kate (Pariza Fitz-Helen). Entretanto, o plano é logo desmascarado pela menina, que se afeiçoa pelo homem durão e faz de tudo para incluí-lo em sua vida. O longa-metragem, portanto, foge do seu gênero principal e se torna uma jornada de amizade e família, com toques de comédia. Referências para piadas é o que não falta. De “Homem de Ferro 2” à “Cinquenta Tons de Cinza”, o que funciona bastante de começo, mas utilizada a exaustão é capaz de não gerar tantos frutos.
A direção de Peter Segal, em “Aprendiz de Espiã”, é bastante madura e conduzida classicamente. As cenas de ação correm com naturalidade, sem muitos exageros físicos e o uso inteligente da trilha sonora é evidenciado logo no início, quando em um dos melhores momentos, em cena de perseguição utiliza música anempática à cena. Conceito elaborado por Michel Chion em seu livro “A Audiovisão: som e música no cinema”, que consiste em gerar emoção contrária pela trilha sonora com o que de fato está acontecendo. A dicotomia é estabelecida em divertidos momentos com “I Will Survive” e “My Heart Will Go On”, todas cantadas pelo rádio do carro em russo (a sequência se passava na Rússia). Um recurso de fotografia, no entanto, soa entediante quando tenta contrapor uma realidade a outra pela cor mais fria ao mais quente, na tentativa de diferenciar dois mundos.
Ao continuarmos a jornada percebemos os valores explicitados e a moral proposta pelo filme. Por se dedicarem a um público-alvo mais jovem pode soar cansativo para alguns ver temas como o da família (a tradicional, é claro) serem reforçados. Parece uma fórmula gasta, ainda que seja munida de boas intenções. O objetivo final talvez seja entregar um produto para que todos saem bem após a sessão, por estar travestido de uma moralidade pulsante, muito ingênua aos novos olhares de hoje. O nacionalismo norte-americano é também destacado pelas linhas do filme, por colocar como inimigo mais uma vez os russos, ou pelas mentes criadoras, ainda soviéticos, em um gesto caricatural.
Mesmo com todos os acertos, “Aprendiz de Espiã” derrapa ao “esquecer no churrasco” o conflito principal do enredo para querer dá conta de solucionar em minutos finais de tela. A correria, no entanto, não tira o mérito da obra de garantir um ótimo entretenimento para quem assiste. Divertido, atual e emocionante para os mais fracos. Ainda com alguns problemas, funciona como um ótimo antídoto ao tédio em muitos momentos, marcado por direção precisa e texto comprometido com o contemporâneo, que surpreende.