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Antígona

O julgamento, a moral e a ciranda

Por Vitor Velloso

Cinema Virtual

Antígona

A atemporalidade de uma “tragédia” não se define por seus temas, muito menos por sua moral, mas através da leitura que se pode fazer das mesmas, da narrativa acerca do humano e de sua compreensão através do que podemos unir dessa particularidade em sociedade. É claro que as adaptações de tragédias gregas para o contemporâneo, devem passar por uma atualização política, da sociedade e da cultura onde irá inseri-la, ou estaremos realizando o fetichismo da realidade, como em “Trágicas” de Aída Marques. 

Sophie Deraspe, diretora de “Antígona”, entende bem que o processo de adaptação passa por uma transcriação, uma espécie de traição do formato original, tanto pela forma quanto pela compreensão dessa realidade em misancene. A versão canadense, de 2019, entende parte do drama apresentado por Sófocles como um processo de destruição do direito, onde o caráter da legislação é posto em cheque através de uma resolução mais pragmática do que seria “justiça”. E aqui, margens para debates poderiam ser abertas, mas o projeto decide ficar na superficialidade, onde a narrativa possa ganhar força entre seus “adeptos”. Onde mora o problema. 

Se existe uma consciência, no filme, que a defesa dos direitos de um réu deve estar acima de um julgamento moral, essa teoria esbarra em algo bastante particular do caso exposto. Uma defesa de família tão absoluta, amparada em uma questão histórica, que irá reverberar uma espécie de “valor” (algo caro aos norte-americanos e europeus) da família, compondo um modelo de sociedade particular, contra o Estado e sua truculência. E aqui é interessante ver como essa superfície se dá através da roupagem da festividade de um progressismo desorganizado, onde atitudes individuais, compõem uma movimentação política em prol de algo. Aqui, um rosto, uma “ideia” que é Antígona. O longa não é tolo em sua construção, consegue realizar isso sem apegar-se às armadilhas narrativas que uma projeção esquemática poderia consolidar, ou seja, não investe seus esforços em transformar um romance em eixo centralizador da história, se recusa em conceber um ideário de mundo perfeito a partir das ideias burguesas e do capitalismo. 

Mas faz isso tudo, consciente de uma moral interna, que permeia à forma de “Antígona”. Onde essa questão da família e do Estado, sempre em oposição (já dizia Sérgio Buarque), encontra aqui um debate de ordem pública, pois um dos membros é uma “ameaça” para o Estado. A terceirização do discurso aqui é bastante explícita, o Estado utiliza como meio a “polícia” para realizar seu pré-julgamento, anterior ao tribunal, o Estado possui o monopólio da força e vai utilizar de seus meios para que haja um controle dessa “ordem pública”, já que as manifestações a favor de Antígona ganham notoriedade. E onde o filme acredita estar fazendo protesto veemente contra essas instituições e criticando a forma que se aplica essa “justiça”, parece estar em ciranda com uma frente problemática dessa manifestação. Superestima o papel dessa sociedade jovem, tanto em sua organização, como subestima a práxis dessa teoria colocada ali através da virtualidade. 

De uma comunidade que se une à favor de uma ré, entendendo que suas motivações são justas, perante a família, e que a ordem dessa juventude está posta em cheque quando uma sentença dessa é aberta. Ao menos é essa a compreensão que se tem, pois as verdadeiras razões dessas manifestações explícitas nunca ficam muito claras, o que não ocorre para os julgamentos contra a protagonista, que possuem sua ordem reacionária bastante clara. Mas se essa leitura nos permite “entender” as ações desses jovens em favor de Antígona, a mesmas parecem estar em um campo progressista duvidoso. Pois essa necessidade de uma ordem legal das “narrativas” apresentadas pelo Estado, partem em defesa de algo tão pueril no debate do progressismo festivo da juventude contemporânea, que parecem irreais, uma projeção de vontade da produção, não uma argumentação a favor de um debate ali apresentado.

Assim, “Antígona” (interpretada por Nahéma Ricci) de Sophie Deraspe não encontra seu lugar de produção por falta de apresentação de problemáticas, mas por não saber como trabalhar as mesmas, pois falta o cerne dessa construção, falta a centralização dessa imagem criada pelos jovens, na figura desse suposto inimigo, aqui, o Estado. E aqui, que fique claro, não louvo a retirada do eixo centralizador, mas deixo a pergunta de como essa festividade toda consegue manter relações maduras como a escolha feita pela protagonista ao fim do filme, que contrapõe com algumas de suas falas no tribunal e fora dele. 

Essa indecisão do filme, de levar a cabo uma discussão do público, da sociedade, do privado, nunca alcança uma profundidade maior que o eterno moralismo que permeia as discussões dessa ciranda, seja de que lado ela está. Segue o baile. 

2 Nota do Crítico 5 1

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