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Amores Brutos

Amores Perros: de Tarantino a Kieślowski

Por João Lanari Bo

Festival de Cannes 2000

Amores Brutos

Amores Brutos”, película que lançou o mexicano Alejandro González Iñárritu no circuito mundial no ano 2000, resiste com o passar do tempo – sua pegada, um cruzamento de histórias carregadas de sexo, situações passionais e violência, revelou-se uma receita certeira. Um cruzamento de classes sociais, periferia versus privilegiados, um caldeirão que traz à tona a complexidade social de uma cidade como a capital mexicana, onde vivem cerca de 9,2 milhões de habitantes, 21 a 22 milhões incluirmos a área metropolitana. Não é pouca coisa.

Iñárritu trabalhou na televisão e esmerou-se na produção de comerciais antes de aventurar-se na ficção. Com efeito, algumas das marcas que promoveu aparecem no filme, e o próprio diretor faz um cameo desenhando a capa de uma revista para Daniel (Alvaro Guerrero), um dos personagens da trama, rico e infeliz publicitário que separa da mulher para viver com uma…modelo de seus anúncios. Consta que Iñárritu e Guillermo Arriaga, roteirista, planejaram inicialmente produzir três ou quatro curtas-metragens: em algum momento, perceberam que unir as ideias, criando pontos nodais de interseção entre as narrativas, poderia funcionar. O principal ponto é um acidente automobilístico violento, onde conexões se apresentam a partir de distintos pontos de vista, das vítimas e de um observador, El Chivo (Emilio Echevarría, um dos destaques do elenco).

Os críticos à época não se furtaram a salientar as influências visíveis no filme, de Tarantino a Kieślowski, cuja série “O Decálogo” tem dez episódios independentes, mas ambientados em um mesmo local (conjunto habitacional em Varsóvia) e com personagens familiarizados uns com os outros. “Amores Brutos” deglute tudo isso com cargas de melodrama mexicano, movido a culpa e desejo, além, claro, da inevitável violência gráfica – começando pela luta encarniçada de cães, que ocupa o terço inicial do filme. Embora relativamente breves, essas cenas são suficientes para instalar um inevitável mal estar que persiste no resto dos acontecimentos – e o cão preto de Octavio (Gael García Bernal, no papel que o lançou no estrelato) acaba sendo um dos principais elos a transitar entre lugares e pessoas, pacifica ou terrivelmente violento.

Dramaticamente “Amores Brutos” se organiza em um tríptico de narrativas – Octavio e Susana, ela, desejada por Octávio, é mulher do seu irmão; Daniel e Valeria, ela, modelo/amante de Daniel, é uma das vítimas do acidente; e El Chivo e Maru, ele ex-guerrilheiro e assassino profissional disfarçado de sem teto, e ela a filha abandonada. Os relacionamentos entre esses personagens e os coadjuvantes se desenvolvem, em geral, a partir de características sombrias e violentas: expressões amorosas, por sua vez, são pautadas por abuso ou possessividade egoísta. Nesse mundo vil, transparece uma leitura da sociedade mexicana, marcada por flagrantes choques sociais e, claro, violência.

Foi um período de fortes mudanças políticas nesse imenso país que é o México. A queda do regime de partido único, o Partido Revolucionário Institucional (PRI), estava em seus momentos finais – e em seu lugar passou a vigorar um modelo mais livre, mais dinâmico e também mais complexo. Novos partidos políticos, mercado nacional aberto e redução de restrições a iniciativas privadas liberaram um pacote de energias inéditas – incluindo tensões sociais abafadas, que resultaram na ascensão do crime organizado em proporções alarmantes e revoltas populares, como a ocorrida em Chiapas, em 1994.

Talvez por esse contexto histórico é que “Amores Brutos”, com sua estratégia de cross-cultural stories, tenha sido bem sucedido quando do seu lançamento: foi o quinto filme mexicano de maior bilheteria de sua época, e ganhou 11 Prêmios Ariel da Academia Mexicana de Artes e Ciências Cinematográficas. Além disso, ganhou o Prêmio da Semana da Crítica no Festival de Cannes e o Grande Prêmio Sakura de Tóquio de Melhor Filme. Ademais, foi indicado ao Globo de Ouro de Melhor Filme Estrangeiro e ao Oscar na mesma categoria.

Alejandro González Iñárritu, assim como seus conterrâneos Alfonso Cuarón e Guillermo del Toro, tornou-se um dos realizadores mais bem sucedidos em Hollywood – no ambiente competitivo da indústria norte-americana, é um feito. Basta lembrar “Babel”, de 2006 – que adota o mesmo artifício, histórias cruzadas, dessa vez em nível global – “Birdman ou (A Inesperada Virtude da Ignorância)”, de 2014, que ganhou (quase) tudo no Oscar, e “O Regresso”, de 2015, que deu o Oscar a Leonardo DiCaprio.

No momento em que os EUA de Trump resolvem endurecer a política migratória, afetando milhões que imigraram em busca de trabalho, é no cinema, território sagrado da mitologia do país, que os mexicanos despontam pela excelência do fazer artístico.

4 Nota do Crítico 5 1

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