A regionalidade e a Arte
Por Pedro Guedes
Uma das coisas mais lindas que o Cinema (e a Arte em geral) tem a oferecer é a empatia – ou seja: a capacidade de fazer o espectador se colocar no lugar do outro e enxergar o mundo a partir de outras visões. Em vez de acompanhar pela enésima vez aquilo que o Sul e o Sudoeste estão habituados a oferecer, o documentário “Amazônia Groove” prefere dar voz a uma cultura que raramente se vê divulgada da maneira como deveria: a Música produzida no Pará e inspirada pela natureza do Rio Amazonas. Afinal, é óbvio que as particularidades de uma região tendem a influenciar a obra de quem se encontra nela – o que o diretor Bruno Murtinho faz, no entanto, é mostrar como isso acontece.
E a boa notícia é que as intenções do realizador são bem-sucedidas. Já começando com uma tomada aérea que dura uns dez minutos e que percorre o Rio Amazonas num rasante tecnicamente ambicioso (acompanhado de uma narração em off que descreve o caminho feito por aquelas águas), “Amazônia Groove” de cara estabelece a importância daquele caminho fluvial para os moradores do Pará, conferindo ares grandiosos e quase místicos à simples presença de um rio como aquele – um dos mais extensos do mundo, diga-se de passagem. A partir daí, Murtinho faz um trabalho admirável ao mostrar como a regionalidade influencia na produção musical daquela região, que, na prática, acaba se tornando bastante particular quando comparada ao resto do Brasil.
Aliás, é este tipo de pluralidade que torna a cultura brasileira tão rica. Neste sentido, “Amazônia Groove” é também um retrato de como o país é diversificado no que diz respeito à produção em geral, já que, ao longo dos 84 minutos de projeção, vemos entrevistas com representantes não de um ou dois gêneros musicais, mas de vários: brega, tecnobrega, guitarrada, carimbó, etc (e fugindo, portanto, do preconceito de quem imagina que a cultura musical do Norte se resume aos cantos indígenas). Estas entrevistas, por sinal, são fundamentais para que o espectador compreenda aquilo que Murtinho quer retratar: a correlação entre a regionalidade (os traços característicos do Pará, naturalmente fortalecidos pela potência do Rio Amazonas) e a obra dos artistas conterrâneos (que, claro, são influenciados pelo ambiente – e pelo contexto – no qual estão situados).
Ao mesmo tempo, é interessante perceber como os estilos musicais e a forma como os artistas os encaram são variantes entre si: uns preferem capturar os sons da Natureza, pois esta produz o som mais “puro” que se pode imaginar; outros abraçam sem reservas as inovações trazidas pela tecnologia e por sua democratização, já que permite que vários produtores de conteúdo adotem programas de edição moderníssimos (e que tendem a sofisticar o som) e ainda adicionem toques eletrônicos à Música que realizam (vide o tecnobrega). Além disso, a sinceridade da cantora Gina Lobrista ao falar sobre como as traições influenciaram sua obra (“canções de corno”, como ela mesma diz) é mais do que suficiente para conquistar a simpatia do espectador, que logo passa a apreciar seus relatos. Por outro lado, o segmento onde Murtinho se concentra na história de Sebastião Tapajós acaba quebrando o ritmo da projeção, já que os depoimentos do compositor não são particularmente interessantes quando comparados aos dos demais artistas.
Mas este não é o único problema de “Amazônia Groove”, que ainda apresenta oscilações terríveis entre uns planos e outros: aqui, podemos perceber que a imagem foi registrada a partir de uma câmera mais sofisticada; ali, constatamos uma queda brusca na qualidade, denunciando que uma câmera mais ultrapassada passou a ser adotada de uma hora para a outra. Em compensação, Murtinho exibe uma coesão narrativa admirável ao empregar uma estrutura bem definida para cada entrevista (que representa cada estilo musical diferente): primeiro, conhecemos o artista; em seguida, escutamos o que ele tem a dizer; para finalizar, o vemos apresentar sua obra, numa espécie de “número musical”.
Da mesma forma, é admirável que a projeção chegue ao fim fazendo uma ligação perfeita com a narração em off que ouvimos no início, consolidando “Amazônia Groove” como uma obra que celebra as invenções musicais do Pará, a riqueza que o Rio Amazonas tem a oferecer em vários sentidos e – não menos importante – a diversidade que o Brasil, em geral, tende a estimular.