Amador
Depoimento particular
Por Vitor Velloso
Durante a Mostra CineBH 2021
“Amador”, de Cris Ventura, é facilmente categorizado nos projetos que ficaram conhecidos como “filme para cinéfilo”. Apesar de suas intenções realmente louváveis, é difícil se manter engajado ao longo da projeção. O maior desafio da cineasta era prestar a homenagem e conseguir utilizar o arquivo que possuía com o protagonista já anunciando o desfecho em determinado momento. Longe de ser uma construção propriamente dita, de maneira progressiva ou não, o documentário parte de uma costura que não assume uma perspectiva unilateral do progresso, o que faz a nossa percepção do tempo se dilatar. A falta de contextualização dessas imagens faz com que o filme se fixe em Vidigal, sem perdê-lo de vista, logo, o que se pode chamar de desenvolvimento são suas próprias falas, ações, performances e memórias.
O que ocorre é que a montagem procura a exposição a partir do afeto pelos momentos. É uma obra estritamente pessoal, que é capaz de dialogar com o espectador pela conversa entre ambos e lugares catárticos que possam tocar as individualidades, através de um retrato de uma parcela da sociedade. A projeção de “Amador” não é longa, mas a dilatação do tempo consegue provocar uma fadiga aguda, não apenas pela extensão de seus planos, porém pelo esforço que se faz para encontrar no meio das histórias e das conversas uma conexão direta. Pessoalmente, não funcionou.
Em determinado momento, foi possível recordar de uma fala de algum documentário (salvo engano o Cao Guimarães estava na imagem) que tratava Belo Horizonte como uma cidade com centro gravitacional tão forte que a sensação é de impossibilidade de sair de seus limites. Essa leitura fortalece algumas relações do personagem central da obra de Cris Ventura com alguns de seus depoimentos. Confesso que nunca tive essa percepção durante minhas visitas curtas à cidade. E escrevo como relato pessoal aqui, pois sinto que há uma falha pessoal com “Amador”. O documentário consegue cativar o espectador na figura de Vidigal, ao ponto que realmente nos importamos e queremos escutar o que ele tem para dizer, sua trajetória, seus romances frustrados, suas emoções que escapam no esquecimento de uma letra de música. Porém, essa fadiga era exponencial e em determinado momento a imagem em movimento se encerrava ali, sendo impossível continuar fixado no plano. Por mais que houvesse um esforço para retornar à experiência de maneira integral, algo me bloqueava.
Uma questão particular que chama atenção é como Cris Ventura monta seus registros sem nenhum tipo de julgamento. É necessário ressaltar isso pois o material foi originalmente gravado para ser um filme, possivelmente muito distinto deste que temos acesso, e a diretora em nenhum momento se coloca à frente do personagem, nem mesmo provoca algum limite entre eles. Uma amizade filmada. Não apenas uma homenagem ou documentário que procure discutir algum ponto de nossa sociedade. Por essa razão, “Amador” vai crescendo conforme os pensamentos se encaixam e só o tempo pode dar uma noção melhor para tal. Dificilmente alguém será indiferente com a obra, odiando, amando ou falhando com. Por essa razão, este texto é mais um relato pessoal do que uma crítica.
Entre os tempos do documentário, ou registro, há algo extremamente honesto nele, sensível e que requer do espectador uma abertura maior que boa parte dos filmes. Talvez seja um caso tão particular e pessoal, que o cinema permaneça nesse limbo entre um objetivo e um subjetivo, categorizando dispositivos para lá e perdendo juízos para cá. Uma coisa é fato, Cris Ventura não é uma cineasta que se prende às formas estandardizadas do documentário e merece atenção por fugir do consenso do expositivo, mas essa obra em especial, o ritmo pesou gravemente e o cansaço foi avassalador.