Almofada de Penas
Reminiscências da Morte
Por Jorge Cruz
Mostra Sesc de Cinema 2019
Toda a qualidade técnica de “Almofada de Penas” não faria sentido se a sensibilidade provocada pela obra não fosse identificada. Usando técnica de stop-motion com impressões 3D, todo aquele conjunto de aço, espuma, gesso, silicone e resina trabalham em prol de uma história que muitos receberão como um excepcional conto de terror, ao estilo de Edgar Allan Poe. Já outros, que identificam nossos pesadelos como resultado de nossa própria existência, se emocionarão com a maneira como o curta-metragem lida com a morte.
“Almofada de Penas” adapta o conto homônimo de Horacio Quiroga, escritor uruguaio que usava o realismo fantástico como objeto ao longo dos escritos de sua carreira, todos das primeiras três décadas do século XX. O criador da versão para os cinemas, o catarinense Joseph Specker Nys, posui como formação o designer gráfico. Ao usar o texto de Quiroga como trabalho de conclusão de curso de sua faculdade em 2012 ele se descobre um cineasta.
Contemplado pelo programa Itaú Cultural no biênio 2013-2014, filma em 2016 esse produto audiovisual impressionante, com uma extensa equipe – iniciando uma trajetória por festivais e mostra, incluindo o Anima Mundi de 2018 e mais de cinquenta ao redor do globo, em quase trinta países. Em 2018 o Museu da Imagem e do Som de Santa Catarina recebeu uma exposição sobre o filme, mostrando o caráter formador e as possibilidades de troca de experiências que o cinema permite, principalmente nessa linguagem.
O Vertentes do Cinema se depara com a produção na 3ª Mostra Sesc de Cinema. Chama a atenção logo de início a qualidade impressionante da animação, mantendo uma estética gótica surrealista de maneira equilibrada, a mesma dosagem do vermelho que Gullermo del Toro utiliza em “A Colina Escarlate“. O curta-metragem nos mostra Jordán, às voltas com uma grave doença de sua esposa, Alícia. Ela desenvolve um tipo de anemia avassaladora e as tentativas de salvar sua vida se revelam insuficientes.
Chama a atenção o uso do relógio como elemento narrativo, a maneira talvez mais óbvia e ao mesmo tempo mais eficaz de criar as breves elipses. Como dito, nada disso teria razão se, ao final da projeção, a reflexão sobre a crueza da morte a depreciação de quem fica não fosse possível. O sangue no travesseiro da enferma que partiu é o estopim para a que o viúvo se entregue ao desespero, revelando uma humanidade dificilmente vista em personagens dentro dessa ambientação.
Ao tratar das reminiscências da morte, “Almofada de Penas” lembra àqueles que sofreram com perdas traumáticas o quão duro é o golpe de se ver na casa em que aquele que acabou de partir fincou suas raízes. Objetos e cheiros que não somem com a mesma instantaneidade, tornando a aceitação difícil e a superação quase impossível. Superadas as criações de Quiroga e Specker Nys, resta ao espectador conviver com o terror de sua própria vida.