Alice no País Das Maravilhas
A fábula do auto-descobrimento
Por Fabricio Duque
O universo sombrio, visceral e mórbido do diretor Tim Burton, mestre em caracterização, é transferido para a nova adaptação dos dois livros de Lewis Carroll: Alice no País das Maravilhas e Através do Espelho e o que Alice Encontrou Lá. Com a base Disney, porém sem ser de animação, ele consegue capturar a essência dos seus personagens, com sentimentos profundos e humanizando temas complexos. Em “Alice no País Das Maravilhas”, a historia conta que aos 19 anos, Alice (Mia Wasikowska – atriz australiana que fez a serie da HBO “In Treatment”) volta ao País das Maravilhas, fugindo de um casamento arranjado. No mundo mágico, ela reencontra os personagens estranhos, como o Chapeleiro Maluco (Johnny Depp), a Rainha Branca (Anne Hathaway) e a Rainha Vermelha (Helena Bonham Carter), inspirados na obra de Lewis Carroll. É nessa jornada fantástica que a jovem tentará encontrar seu verdadeiro destino e acabar com o reino de terror da Rainha Vermelha.
“Alice no País Das Maravilhas” inicia-se em um dia nublado, com a imagem de uma janela, com luz projetada, desejando assim aprisionar a cena e o ver. O pai encontra-se em uma reunião de negócios. Os diálogos tentam concretizar a fantasia e o irreal. “É fantástico. Para alguns a única maneira de se chegar ao impossível é acreditando que é possível”, diz. A filha, Alice, vai até o pai e diz que tem o mesmo sonho, que está caindo em um buraco, que há lagartas azuis que fumam, gatos que sorriem. Ela via “estranhas criaturas”. “Acha que eu estou enlouquecendo?”, ela pergunta. “Acho que sim. Você esta louca, perdeu a razão. Eu vou te contar um segredo: as melhores pessoas são”, o pai responde.
A trama dá um salto de 13 anos. Mostra Alice com a mãe, em uma carruagem, indo ao encontro de seu noivado. Ela é rebelde e contras as regras da sociedade. Elas conversam sobre o mesmo recorrente sonho que a filha tem desde pequena. “Será que é normal? As pessoas não costumam ter sonhos diferentes?”, a protagonista pergunta. O roteiro segue a direção da busca do querer de cada um, dos sonhos presentes. O existencialismo fantástico explica-se pelo inconsciente psíquico do verdadeiro desejo. A aristocracia é cruel, altiva, prepotente e impõe a ela o que fazer. “Na duvida permaneça em silencio. Não compartilhe a sua visão”, diz-se. A trama questiona a loucura dos normais, do que é melhor para a própria existência. São loucos os que seguem as regras e suas imposições (massificação) de fachadas?
O afã de não mais permanência no mundo que causa angustia faz Alice projetar o sonho em sua realidade. Os mundos confundem-se. As respostas a decisões importantes em sua vida são buscadas ao seu intimo fantasioso. Um coelho com um relógio. O tempo esta passando. Ela segue o bicho e cai em um buraco, passando por fases psicodélicas de sua vida e o lugar que caiu vira ao contrario. São metáforas da metáfora. Referencias explicitas aos estágios de comportamento de cada ser humano. Alice esta presa. Para conseguir se libertar e sair da caverna, ela precisa confiar no novo. Bebendo e comendo o desconhecido. A adaptação às adequações de seu caminho explicita-se por beber e encolher; e comer e crescer. Assim ela pode vivenciar as experiências. Expandir seu conhecimento. Com isso a inclusão ao novo mundo é permitida, com seus seres impossíveis. “Estranho e curioso”, diz. “Isto é um sonho, nada pode me machucar”. Encontra a rainha mimada, que cria a ditadura. Há manipulação ao povo e aos necessitados. “Os cachorros acreditam em qualquer coisa”, sobre promessas que não serão cumpridas.
Muito se questiona sobre se é ou não uma apologia às drogas. Ela bebe uma poção misteriosa que a faz ver elementos surreais. Encontra um chapeleiro maluco que diz “Você esta atrasada para o chá”. Ele toma com os seus amigos e ficam rindo extasiados e elétricos, com olhos descontrolados. Há a lagarta que usa narguile. “Não se deve agradar os outros”, diz-se. Os flashbacks explicam o passado com os valetes de copas e a rainha má. “Fim a tirania da Rainha de Copas, a cabeçuda”, diz. “O sonho é meu. Eu crio o caminho”, ela vocifera. O roteiro exprime o quão difícil e cruel é o caminho. Ela precisa passar por cabeças mortas em um rio para lutar pelos seus objetivos. “Por que você é tão baixa ou tão alta?”, o chapeleiro pergunta a Alice, em um dos raros momentos de lucidez “Mente mutilada”, ele diz.
Em “Alice no País Das Maravilhas”, há o contraste entre respeito (amor) e obediência (medo). Alice consegue o que quer pela gentileza, criando a cumplicidade, e a Rainha pela tirania. “Por que me odeiam e a amam”, a tirana pergunta. O povo do seu reino cria imperfeições físicas, impostadas, para aceitação. Dançam conforme a musica, como usar um nariz feio, maior, mesmo sem precisar. Quando não fazem o que quer, a Rainha ordena “Cortem a cabeça” ou “Ele esta louco”. Loucura, neste caso, é estar contra o que alguém deseja. “É melhor ser temida que amada”.
Ser alguém completamente era o que faltava na cabeça de Alice. Estava confusa. “Não era Alice suficiente”, dizia-se. Uma das características do diretor é a ironia. Ele usa como válvula de escapa do surrealismo, trazendo o espectador a própria realidade. “É bom vê-la no tamanho perfeito”, diz quando Alice acha o equilíbrio. O meio-termo de como se viver. “Deve ser meio louco para ter sonhos loucos”, explicita uma constatação.
O crescimento de cada um é por si próprio. Não há intermediários. O que se precisa fazer apresenta-se individualmente. “Quando você encarar o mostro (o seu principal medo e obstáculo), você estará sozinha”, diz-se. “Nada se é conquistado com lágrimas”, sobre a guerra diária de cada um. “No fim da vida, serei transformado”, sobre os estágios que transformam as pessoas na trajetória de suas vidas.
“Não é um sonho, é uma memória”, diz quando percebe que já viveu aquilo. Que já escolheu as mesmas decisões de antes e que o seu caminho não pode ser diferente, já está escrito pelas ações que cometeu. O ser humano revive o que viveu quando possui a segunda chance. As vezes há a necessidade da luta sangrenta, como o duelo entre a rainha branca e a vermelha. O pior castigo: o exílio eterno. “Eu penso em seis coisas impossíveis antes do café da manhã: uma poção que pode encolher, um bolo que faz crescer, animais que podem falar, gatos que podem desaparecer, um lugar chamado país das maravilhas e vencer monstros”, disse.
O buraco é a viagem ao seu intimo a fim de buscar as respostas para decisões complicadas. Ela sabia o queria quando retornou. “Alice no País Das Maravilhas” corre com o final, em uma verborragia de ações e definições que atrapalham o ritmo apresentado. Porém é um pequeno detalhe na viagem aos nossos próprios interiores que o roteiro deseja atingir. Vale muito a pena ser visto. Recomendo, principalmente na tecnologia 3D. Houve até polêmica sobre a decisão em diminuir o período da janela entre os lançamentos do filme nos cinemas e em DVD/Blu-ray, de 16 para 12 semanas, que tem gerado protestos dos exibidores. E alguns deles já anunciaram que pretendem boicotar o filme, sem exibi-lo em suas salas.