Alice e o Prefeito
Um recurso entre diálogos
Por Vitor Velloso
Reserva Imovision
“Alice e o Prefeito” de Nicolas Pariser chega ao streaming brasileiro como mais uma opção cinematográfica francesa para compor o catálogo. O filme possui uma estrutura familiar, dos diálogos frenéticos, discussões em torno de questões morais e políticas tendo como partida a cultura francesa em seu cerne mais denso. Essa dinâmica funciona em torno das duas figuras que protagonizam o projeto, Fabrice Lucchini e Anais Demoustier, que possuem uma química a partir da falta de sincronia entre os personagens. Por essa razão, o espectador pode se sentir confuso com os encaminhamentos dramáticos que vão desenrolando, a partir dos encontros breves, vulcânicos e a próxima etapa.
O ponto de partida da obra é absolutamente francês, sem abrir margens para um escape dessa homogeneização, porém acredita que o conteúdo desses diálogos podem se diferenciar da maior parte dos delírios intelectuais comuns. Apesar de não conseguir se destacar em meio ao mar, “Alice e o Prefeito” gera algum interesse nos primeiros minutos, que junto a protagonista, tenta entender qual o sentido de tudo aquilo, qual sua função, a verdade por trás da contratação etc. Esse jogo de desabafos e epopeias filosóficas da própria função da política por trás da onda midiática ou da conceituação pura e simplesmente, passa a degringolar antes da metade da projeção e se torna um ciclo vicioso de pura retroalimentação fórmulaica. Como já dito em outras circunstâncias, é uma espécie de pós-truffaut (para utilizar o prefixo da moda) com resquícios da Nouvelle Vague, sem tempero algum.
Quem tiver paciência para aturar essa ordem de diálogos por uma hora e quarenta, ansiando por mais, irá atingir o deleite máximo. Quem não tem mais cabeça para ouvir os devaneios franceses, vai se irritar rapidamente com o longa. Porém, nessa conjuntura, o filme de Pariser consegue trabalhar esses dois atores para sustentar com o mínimo de aproximação com o público. Uma espécie de carisma pelo anti-carisma. Fabrice Lucchini faz um tipo raro, desengonçado, tentando se encontrar novamente e Demoustier embarca no balaio, mas possui seus problemas em constante provocação pelas conversas. “Alice e o Prefeito” não possui matéria para fugir de uma estrutura alienante, precisa recorrer a idealização do campo intelectual para discutir a práxis em duas frentes particulares. Algo convencionado pelo cinema francês contemporâneo, mas utiliza-se da desculpa de estar à frente da própria resolução política para fantasiar que o delírio não é composto de inocuidades.
Está claro que a campanha das farsas não concretiza um novo norte para algo que é ditado por uma forma de padrões, já arcaicos, mas concebe ao menos uma silhueta mais útil para essa linha industrial. Recusar que a esquemática aqui possui raízes industriais, é faltar com a lógica. Encarnando esse projeto de homologação do “antigo cinema autoral” com as pedaladas mercadológicas, o barato finda nessa suspensão do interesse a partir da metade da exibição, a chatice toma conta e temos um ciclo vicioso que precisa de uma motivação interior do espectador para seguir a trama de perto.
Seria mais um concorrente da tarde no Estação Net, onde poderiam praticar seu francês e terminar o dia em algum Starbucks debatendo as provocações políticas pavimentadas em “Alice e o Prefeito”. Com a pandemia, a Imovision facilitou isso para parte do público-alvo e levou para o streaming. Apesar da obra não ser rasteira como outras produções que chegaram às plataformas brasileiras recentemente, a eterna pergunta se repete: Os filmes brasileiros terão vez? Cada vez mais o mercado virtual vai sendo engolido, como já acontece com as salas de cinema há anos e o público não possui grandes opções para fugir das línguas europeias. Algumas plataformas prometeram chegar junto nesse processo de distribuição, rapidamente foram para os contratos mais “viáveis”. Talvez o plano e contraplano com discussões filosóficas em Lyon possa gerar mais cliques de fato, mas essa repetição já está enchendo há muito tempo. Se o mercado brasileiro possui um rombo, tem pouca gente ajudando também. Sem grandes preocupações, o barato ainda chega ao Estação em algum momento… É.