Algum Lugar Especial
Tempos finitos e suas relações
Por Vitor Velloso
“Algum Lugar Especial” de Uberto Pasolini chega como um possível arrancador de lágrimas do público brasileiro. Em uma narrativa que encontra espaço para a emoção sem apelar para um maniqueísmo drástico, os personagens transitam de um lado para o outro atrás de respostas que parecem impossíveis de se conseguir. A trama, apesar de lenta, é trabalhada em torno de uma bomba-relógio que é a vida de John (James Norton), que possui uma doença terminal e precisa encontrar um novo lar para seu filho Charlie (Daniel Lamont).
O filme gira em torno da relação entre os dois e de uma despedida precoce, inevitável, que ganha novos significados em pequenos atos do cotidiano. A degradação física de John, as manifestações da doença e o choro compulsivo com músicas melancólicas não tomam conta da estrutura. Assim, o espectador não é manipulado para derramar lágrimas escandalosas diante de “Algum Lugar Especial”, mas sente o peso de despedir-se de personagens tão carismáticos. O luto antecipado é o silêncio constante de um pai que vê sua vida encerrar-se aos 34 anos de idade, precisando encontrar esse novo destino para o filho de 4. Nesse caminho, cada cena reserva um novo impacto para a relação e uma nova dimensão na consciência da morte vindoura. A cena das velas de aniversário é o ápice dessa percepção, a tentativa de colocar mais um ano na conta se torna frustração e incapacidade de expor a situação. Não por acaso, quando o futuro é revelado, é necessário um apanhado de situações que ocorreram durante a projeção para que possamos nos aproximar dessa finitude.
A linguagem não busca um fetiche por essa dramaticidade, pelo contrário, consegue cadenciar entre a frieza e a intimidade, alternando entre os planos objetivos que enquadram a situação com rigor e os close que fitam os olhos quase inexpressivos de quem não possui mais forças e precisa continuar tentando o melhor para seu filho. A montagem é sagaz ao compreender que a separação dos dois personagens diante de uma “entrevista” com a nova família, direciona-os para caminhos distintos. Em seus momentos conjuntos, a proximidade é um fator que realoca esse drama para sensibilidade particular. Por essa razão, a fotografia não precisa ser apelativa na construção, pois reconhece que os dois pilares dessa direção são construídos ao longo da narrativa. E para que possamos compreender onde irá findar os caminhos, o espaço e suas classes são importantes na dimensão que “Algum Lugar Especial” constrói. Aliás, essa proposição geográfica conscientiza o próprio público da fragilidade de John diante do próprio serviço.
Enquanto fita uma parcela da vida alheia, admira-se com seus desejos e medos diante da impossibilidade de seguir com Charlie. Vislumbrar o que uma criança possui ou pode possuir em um determinado espaço, posiciona o protagonista em um local diferente das demais pessoas, mas isso não importa na mesma medida que o choque de realidade que ele tenta minimizar. Os caprichos paternais, por vezes obsessivos, demonstram que parte das classes sociais vislumbradas, majoritariamente detentora de grandiosa riqueza, vivem em mundos distantes da realidade, onde os filhos seriam reflexos de seus desejos ou “bonecos” que devem ser cuidados. E essa recusa o longa faz na própria forma, ao fitar seus personagens de maneira particular, o espectador é conduzido às várias formas de encarar essa nova possibilidade. Não por acaso, o espaço possui uma importância ímpar para o projeto, revisitar locais e descobrir novos mundos se torna uma constante que terá um fim junto ao tempo de projeção.
Não é difícil reconhecer o final da obra, mas esse trabalho requer amadurecimento e o processo é desgastante e cansativo. Em determinado momento “Algum Lugar Especial” pode soar perdido, mas o tom cíclico apenas remonta as dores do passado nebuloso que John possui e são salientados por seus próprios fantasmas. A escolha de pouco revelar sobre esse tempo se demonstra bastante consciente quando a ideia da “caixa de memórias” passa a tornar-se mais frequente. Reduzir uma relação paternal de quatro anos à uma caixa parece cruel demais, porém alternativas lhe faltam e o filme está mais preocupado com sua construção do que pensar no adeus. É uma recusa que é superada em um fim brega, mas que se encerra no olhar quase permissivo de uma criança que não julga a escolha de seu pai, porém se despede com a inocência que lhe é cara.