Adeus, Idiotas
A anarquia caricata de Dupontel
Por Bernardo Castro
Festival Varilux de Cinema Francês 2021
“Em toda parte encontra-se um adversário: a vida é uma guerra sem tréguas, e morre-se com as armas na mão. As dores do mundo”, de Arthur Schopenhauer. O trabalho com indivíduos negligenciados pela sociedade é temática recorrente das maiores representações artísticas do nosso século, vide o recente “Coringa” de Todd Phillips, magistralmente encarnado por Joaquim Phoenix. Mas, o que poderia acontecer se três párias da sociedade moderna francesa tivessem suas trajetórias perpassadas? A partir deste mote, o diretor francês Albert Dupontel, que também interpreta um dos personagens principais da obra, desenvolve a trama de “Adeus, Idiotas”. O filme conta a história de três indivíduos, uma mulher enferma de uma doença terminal, um homem, que ficou cego por um caso de erro policial, e um ex-funcionário da corregedoria que tentou suicídio – pessoas invisíveis aos olhos da sociedade e vítimas da opressão estatal. Esse grupo de pessoas idiossincráticas, afetadas de formas diferentes pelo descaso do governo, parte em uma road trip atrás do filho perdido da mulher, vivida pela belga Virginie Efira.
O cineasta, que também assina como roteirista, trabalha em cima de um conceito consistente e insere, na sucessão de cenas, traços de subjetividade e signos implícitos. Pequenos detalhes imbuídos de pura poesia, como o paralelo dramático entre o Sr. Cuchas, homem à beira de um colapso que perdeu o amor a própria vida e Suzie, uma mulher cheia de amor pela vida que se vê diante de uma doença sem cura, e os sobrenomes nunca memorizados, que suscitam o debate acerca da relevância daquelas pessoas na sociedade da qual estão inseridas – é nítida a crítica a instabilidade da sociedade, que leva o indivíduo ao limite de sua saúde mental e física e, após a sua invalidez, o relega ao ostracismo. Forte exemplo disto é a situação do doutor que realizou o parto de Suzie: uma vez com Alzheimer, ao mesmo tempo que ele esquece de tudo, ele também é esquecido e deixado só e pouco assistido em uma sala de hospital mal iluminada. Chega a ser levemente catártico quando os protagonistas se sublevam à burocracia arendtiana subjugadora.
É inegável o espírito revolucionário de “Adeus, Idiotas”, que certamente configura como uma ode ao anarquismo. O argumento sedutor, no entanto, não consegue eximir o produto final de suas inúmeras falhas. A execução é penosa, com o uso de situações forçosamente cômicas e prolificamente caricatas, deixando o filme repleto de gags sem sentido características de comédias pastelão pobremente inseridas ao longo do trabalho. Ao longo da obra, Dupontel aparenta desistir da ideia sólida do argumento em prol da risada e de um resultado de fácil digestão, sem que se exija muito do raciocínio do observador, sacrificando uma narrativa instigante para o desenvolvimento de um longa de Sessão da Tarde da Tv Globo. A amálgama de diversos gêneros, com arcos de personagens mal elaborados, deixa a história pouco fluida, o tornando uma tentativa frustrada tanto de ser uma comédia quanto uma tragédia.
Em outras palavras, são 80 minutos de uma massa desforme perdida entre uma adaptação de tragédia grega para o cinema e um episódio de “Os Trapalhões”. A fotografia, apesar de alguns movimentos de câmera bruscos raramente utilizados e que despertam a atenção, também causa ojeriza ao espectador médio. Repleta de efeitos visuais de baixíssima qualidade, uso de CGI tenebroso, enquadramentos e movimentos de câmera toscos similares a séries de televisão e videoclipes do início dos anos 2000, “Adeus, Idiotas” não consegue agradar quem o assiste visualmente e, inevitavelmente, gera um sentimento de estranheza combinado ao roteiro mal redigido. O final que, como nas últimas páginas de “Admirável Mundo Novo”, ressalta a impossibilidade de vencer o sistema e reiterar a inexorabilidade do mesmo, não consegue compensar os outros 70 e poucos minutos de exageros e realização instável. Não falta ambição ao longa-metragem. Porém, como é fácil conjecturar, ambição não é o suficiente para se fazer um produto audiovisual. As atuações medianas, como se é possível imaginar, não conseguem atenuar a precariedade da apresentação – uma verdadeira decepção para os grandes mestres da sétima arte francesa. Independente disso, o filme permanece sendo assistível, garantindo vez ou outra uma risada e mantendo a atenção do espectador em certas cenas, especialmente se assistido junto da família ou dos amigos.