Adam
Redenções e culinária marroquina
Por Fabricio Duque
Durante o Festival de Cannes 2019
Exibido na mostra Un Certain Regard do Festival de Cannes 2019, “Adam” é um filme que busca imergir o espectador na intimidade cotidiana de um cinema acompanhante. A câmera retrata, próxima e quase invasiva, ações e intempéries de suas personagens em pré-momentos de mudanças.
Dirigido pela realizadora marroquina, Maryam Touzani, estreante na direção de um longa-metragem (e que escreveu o roteiro de seu marido Nabil Ayouch, “Primavera em Casablanca”), “Adam” desenvolve sua narrativa coral (de mudar a observação de personagens) por situações-acasos editados e facilitadores. É um filme marroquino, mas com alma estruturada a Hollywood.
Inicia-se, por exemplo, com uma mulher grávida na feira Medina procurando emprego. De casa em casa. Até que uma pessoa ajuda. A personagem é passional, impulsiva, urgente e sempre na defensiva autossuficiente (“aprendeu a ser assim”). “Mães não gostam de saber o sexo do bebê”, diz-se.
“Adam” é um filme de contemplação (com tempo não estendido). Entre disciplina, perseverança, leveza, danças, toques sugestivos, “vizinhas fofoqueiras” e “Pequeno Príncipe”, a obra é acima de tudo sofre a transformação do ser humano. Um processo de dureza ao acerto da simpatia e do “alto padrão”. Uma ajuda demais e consegue aos poucos. Descobre o que há por baixo de tanto fechamento sentimental. “Não se abre nem para receber um elogio de um pretendente”, repara-se.
É um longa de união. De reconstrução de vidas pela arte culinária típica. De um luto ainda vivo, a presença de uma “estrangeira” desencadeia o recomeço de uma felicidade com provocações, brincadeiras e músicas árabes em um mundo-universo do preparo de comidas (“barriga igual a um ovo”). Há um passado não feliz embalado com trilha sonora de Warda Al-Jazairia.
Sim. Como foi citado acima, “Adam” envereda a estética mais americanizada. As reações ficam mais dramáticas, as redenções mais próximas e o final feliz feliz quase um requisito básico-obrigatório. A mãe fechada, a filha, triste. É ingênuo e puro ao contar a história de duas mulheres presas em seus próprios destinos, que buscam refúgio em fuga e negação.
São sentimentos simples de traduzir. Como a “intimação arrastada” a se arrumar. A “acordar para a vida”. “Grávida tem preferências?”, pergunta-se retoricamente a fim de revestir com obviedade a atmosfera que mais parece aquela infantil de visitar a tia durante a tarde de domingo. Os adultos colocando as “fofocas” em dia. E as crianças ouvindo felizes, visto que este era o único indicativo de alegria absoluta e incondicional.
Indicado pelo Marrocos para concorrer a uma vaga ao Oscar de melhor longa estrangeiro, “Adam” desencadeou uma sensação diferente na pessoa que escreve estas linhas analíticas. Antes de Cannes, tinha feito uma escala de quase dois dias no Marrocos. Casablanca para ser mais exato. E durante o Ramadã. Tudo que experimentei de culinária típica está no filme. Ao viver essa experiência, pude olhar e perceber que talvez até mesmo o país do Norte da África banhado pelo Oceano Atlântico e pelo Mar Mediterrâneo já tenha realmente se rendido aos encantos dos Yankees. Sim, há McDonalds e outras influências contemporâneas-modernistas.
O longa-metragem nasceu de um encontro real da diretora. “Eu conheci uma jovem que me inspirou para o personagem de Samia. Ela desembarcou em Tânger, fugindo de sua família depois de engravidar e depois foi deixada pelo homem que prometera se casar com ela. Por medo e vergonha, ela não contou a nenhum de seus amigos e parentes e escondeu sua gravidez por meses. Longe de casa, ela esperava dar à luz seu filho em segredo e doá-lo antes de retornar à sua aldeia. Meus pais a acolheram quando ela apareceu na porta de casa, embora nem a conhecessem. Sua estadia se transformou em várias semanas, até o nascimento do filho. Samia era gentil, introvertida; ela amava a vida. Eu vi a dor dela. Vi sua disposição alegre também. E, acima de tudo, vi como ela estava arrasada com essa criança por sentir que não tinha escolha a não ser a abandonar para continuar com a sua vida”, disse Maryam Touzani.
E assim “Adam” cumpre seu propósito e missão de divertir e suavizar a emoção. É um filme para a família com ares de cinema cult querendo manter-se mo mainstream. Nada contra e sem julgamentos. Uma escolha tendência que assola o futuro do cinema que “gosta” de criar tempos de cinema.