Actual People
Correspondências contemporâneas
Por Vitor Velloso
Durante o Festival de Locarno 2021
Escrito, dirigido e atuado por Kit Zauhar, “Actual People” é um filme que assimila as turbulências contemporâneas como parte de si. Soa como um processo de descoberta, própria e produtiva, sem um objetivo claro em mente, apenas ver onde as coisas terminam. Nesse sentido, o projeto funciona como um reflexo geracional, onde as telas se multiplicam e a ansiedade toma conta. A protagonista está perdida em meio aos excessos, desejos, medos e nem o futuro parece guardar boas notícias. Aqui, o retrato social norte-americano é atravessado por breves debates étnicos, seja com um branco quase urrando para dizer que “nós também sofremos” ou mesmo na prosa cotidiana, reuniões familiares e conversas de bar.
Apesar do tom dramático normalmente exacerbado, o filme propõe esse olhar sem compromisso, onde os acontecimentos não possuem um preso narrativo drástico mas as consequências vão sendo sentidas ao longo da projeção. Acaba sendo uma espécie de estruturalismo relativista, não há como negar, onde tudo é “perene”(para utilizar um modismo) da mesma forma que tudo é urgente. Não por acaso alguns termos surgem na discussão, “millennial” e outros termos da moda. A verdade é que os diálogos não são o forte de “Actual People”. As interpretações são frágeis e parece que tudo saiu de um teleponto que quer ser menos engessado e acaba forçando alguma dinâmica mais “orgânica”. Acaba funcionando de maneira mambembe e transforma o filme em algo enfadonho. Existem algumas investidas nessa ansiedade precoce que apenas reforçam o drama hiperbólico.
É um longa de amadurecimento que claramente funciona como terapia conjunta, entre a personagem e a diretora, na simbiose da representação. Os inserts do que aparentemente são os “stories” dela, até dão uma vida extra para esse universo tão centralizado, mas não é capaz de dinamizar o mumblecore. O próprio subgênero já está desgastado pelo improviso meio desajeitado, o que era para ser uma resposta à indústria, foi instrumentalizado pela mesma. As ideias de um naturalismo prosaico se tornaram uma via alternativa da utopia norte-americana e “Actual People” não se distancia disso com seus romances virtuais, festas lentas e pessoas deslocadas. Até consegue ser mais honesto que os demais projetos, quando assume uma caracterização do comum, traçando alguns embates políticos e culturais de maneira breve, mas é incapaz de sair desse processo que vai se esgotando. Nem em seus melhores momentos as coisas são muito empolgantes aqui. É tedioso assistir ao drama norte-americano e seus problemas diários, aliás, é o que vimos a vida inteira. Ainda que a utopia Hollywoodiana não esteja aqui presente, a ideologia opera como sempre.
Um mérito relativo de Zauhar é a economia dos espaços para não fragmentar tanto o tempo, o que ela parece abandonar em certos momentos, cortando diversas vezes na mesma cena como quem tá experimentado alguns recursos formais. E aqui, pouca coisa é aproveitada de fato, parece ser uma grande reciclagem de ideias que pavimentam terreno para uma terapia que acredita na universalidade dessa representação. Mas nos trópicos as coisas são um tanto diferentes e é difícil se identificar com as situações da obra, pelo contrário, cansa muito e cria pouco. A cena da discussão no banco na rua à luz do dia é o reflexo do subgênero e de uma geração que foi engolida pela representação do norte.
“Actual People” até consegue apresentar problemas reais e reações honestas, porém chega atrasado e não se encaixa bem na programação da Concorso Cineasti del presente, acaba destoando da maior parte dos filmes. Mas expõe que as produções recentes no mundo caminham em uma direção oposta ao cinema independente norte-americano e reforça que só no campo industrial os figurinos ainda se encaixam. Em um todo, o projeto acaba sendo facilmente esquecível e sua áurea de “incompreensão” geral não chega a grandes lugares. Porém, essa proposta subjetiva e humanística do “mumblecore” pode conseguir alguns adeptos para os futuros projetos de Zauhar, que não estreia com brilho mas tem uma disposição que é digna de aplauso. Se as idealizações futuras seguirem essa tentativa de tradução da contemporaneidade através dos dispositivos, pode ser que os recursos se tornem mais maduros e passem a promover discussões, mas por enquanto é tentar projetar para o futuro um novo vigor, sem tantas amarras e deslizes desajeitados.