Curta Paranagua 2024

A Vida Solitária de Antonio Ligabue

A intensidade de uma beleza amargurada

Por Vitor Velloso

Cinema Virtual

A Vida Solitária de Antonio Ligabue

“A Vida Solitária de Antonio Ligabue” de Giorgio Diritti é uma obra de difícil descrição. O filme biográfico gira em torno do pintor presente no título e seu sofrimento ao longo da vida, a partir da incompatibilidade entre ele e a sociedade. O início da projeção é bastante particular, vemos diversos fragmentos de sua trajetória ao longo dos anos, esse recurso serve para convidar, de maneira não tão amistosa, o espectador a dar uma oportunidade à figura que tanto se esconde. Já no primeiro plano observamos os olhos de uma figura atormentada, onde a perturbação é constante e para cada vez que uma sombra cruza a luz que o ilumina, temos a impressão que essa forma de defesa é pouco reativa. 

Com cortes secos, tomadas rápidas, mudança abrupta de iluminação e com a única conexão entre as cenas sendo formas diversas de opressão e tortura, “A Vida Solitária de Antonio Ligabue” não apresente seu protagonista como uma figura problemática, mas com um passado digno do adjetivo. Por essa razão, a genialidade de seu trabalho apresentado posteriormente é compreendida como sua verdadeira reação aos horrores do mundo, uma espécie de instinto que não se esconde. E essa dicotomia é interessante na própria estrutura da obra, pois a direção não persegue essa opressão com o rigor inicial pelos mais de cento e vinte minutos, pelo contrário, consegue expandir seu universo a partir da iluminação e de um jogo de câmera que apesar de simples, retrata bem o momento que o seu protagonista se encontra. Entre os muitos altos e baixos que são representados na tela, é possível notar que os enquadramentos e os cortes acompanham a psique de seu personagem. Quando o mesmo surta e tem um acesso de raiva (que normalmente termina na destruição de alguma obra) a câmera não é invasiva e se distancia desse espaço do artista. 

Em um dos momentos, a câmera ensaia seguir Ligabue mas cessa o movimento ainda em uma janela. É como se o filme tivesse assimilando essa relação na montagem, cadenciando nossa aproximação com essa manifestação mais abrupta. Assim, cada ciclo não “esteticiza” o momento, como parte dos cineastas fariam. Essa decisão é interessante para entender a própria motivação por trás da produção, que não fetichiza esse barato. Na verdade, os momentos mais visualmente belos do filme são as reflexões solitárias do protagonista. Essa destruição generalizada até tenta reforçar o quão deslocado da sociedade o artista se encontra, mas sem um julgamento mais agudo nisso. 

Mas nem tudo são flores… O ritmo de “A Vida Solitária de Antonio Ligabue” cai drasticamente próximo a metade e temos uma narrativa arrastada que não encontra muitos pontos de sustentação. Essa transição para o platô de tédio não é tão violenta e acontece conforme alguns dos problemas que Libague enfrentaria ao longo da vida, inclusive obsessões, passam a fazer parte dessa narrativa. E aqui, uma decisão é fundamental para essa lentidão, a secção dos momentos de fúria pela perturbação individual da artística. Existe uma mudança clara na própria “natureza” desse caos interno, que agora afeta diretamente a própria imagem para a sociedade. Não estar satisfeito com aquilo que é produzido, gera a destruição disso. Apesar do gesto não ser de todo absurdo, a brutalidade com que ele faz isso, flerta com seu próprio ego, reconhecendo-se como um grande artista passa a projetar isso na atitude. E a linguagem acompanha esse processo, assumindo uma proximidade com essa relação destrutiva, já não colocando-se de maneira tão distante. 

“A Vida Solitária de Antonio Ligabue” é uma espécie de terapia entre o desejo da produção e a própria manifestação artística ali representada. A atuação central de Elio Germano chama atenção por conseguir uma desfiguração completa de um possível totem a ser homenageado, não temos um monstro, nem apenas um gênio na tela, mas uma mente fora do que a sociedade chamaria de normal, com traumas e opressões constantes. A cena final ilustra bem que suas obsessões e desejos fazem parte dos piores pesadelos de sua mente, sintetizando bem parte de sua obra de beleza perturbada.

3 Nota do Crítico 5 1

Conteúdo Adicional

Pix Vertentes do Cinema

Deixe uma resposta