A Vida São Dois Dias
Os recortes dessas histórias
Por Vitor Velloso
Durante a Mostra de Tiradentes 2023
Projeto entre Rio de Janeiro e Ceará, “A Vida São Dois Dias”, de Leonardo Mouramateus, é uma espécie de síntese dos projetos luso-brasileiros que passam a sofrer grandes influências estéticas dos filmes europeus. Apesar da beleza de determinados planos, com enquadramentos rigorosos e uma naturalização do espaço de representação fílmica, o longa de Mouramateus é pouco inspirado e soa como um projeto burocrático que cumpre uma cartilha. Um artista, o desejo por certa intelectualidade blasé e as paisagens que vão se internacionalizando à medida que avança a projeção.
Com uma estrutura pouco sólida, o espectador acompanha pequenos causos que ocorrem na vida de um restrito grupo de personagens, com diálogos que não ajudam na compreensão geral da obra, mas possuem o mérito de serem bons marcadores “dramáticos” nestas interações. O projeto vai se encaminhando, de forma arrastada, para um protótipo comum de filmes que anseiam por dialogar com um certo submundo cultural dos grandes países capitalistas, enquanto respira uma intelectualidade um tanto desajeitada e um mercado paralelo de obras que envolvem essas temáticas. Por essa razão, o espectador que decidir se aventurar por “A Vida São Dois Dias”, terá de se empenhar para compilar algumas frágeis referências deixadas ao longo do filme e procurar uma reflexão minimamente consciente para se inserir em um debate após o fim da projeção, mas provavelmente alguns elogios se manterão no campo comum de lembrar a capacidade de estetizar, e sintetizar, os espaços de seus cenários: como cinema português, recortando os objetos. Contudo, são formas que indicam caminhos específicos para as imagens projetadas, seguindo uma certa tendência contemporânea, com pequenos lampejos de criatividade.
Não por acaso, o filme se compromete com seus personagens, mas não possui nenhum ímpeto em articular as estruturas dramáticas dos mesmos, é como um ciclo de questões particulares que vão se desenvolvendo, na medida que entraves e refregas aparecem para compor as características de seus personagens e trabalhar no aspecto quase dialógico da criação artística e as particularidades dramáticas. Lembra muito brevemente, “Frank” (2014), de Lenny Abrahamson, por desenvolver uma apresentação especial do excêntrico musical, misterioso, mas cheio de energia, quase infantil, capaz de tomar a atenção para si.
A maior questão de “A Vida São Dois Dias” é que suas pretensões sempre soam pouco honestas com a visível capacidade estética de Mouramateus de construir uma representação sólida e sintética de suas cenas. Não por acaso, possui imagens muito bonitas de uma certa esterilidade das relações ou das situações. Mas parece seguir por este caminho como uma muleta referencial recente, não porque acredita na contribuição direta dessa perspectiva para a obra.
A transição de uma carreira fortemente premiada em curta-metragens, para um longa, é um desafio particularmente complexo, especialmente porque o desenvolvimento de suas situações dramáticas e construção narrativa, passa pelo tempo mais dilatado e pela sucessão das imagens revelar seus dispositivos com uma maior frequência. Leonardo Mouramateus abandonou o estranhamento rigoroso ou a espécie de situação prosaica que promoveu em suas outras obras. Aqui, se rende a esses jogos protocolares, ainda que com alguma beleza, onde a fragmentação da narrativa, pode promover que as situações de forma isolada, funcionam como um amálgama que se une nas propostas da linguagem e do caráter sintético de se isolar essas situações.
Ainda que acabe reforçando uma dialética de complementação, entre o rigor estético e um suposto caos nas histórias. “A Vida São Dois Dias” é um dos trabalhos menos inspirados do jovem diretor, talvez por esse atravessamento de uma estética distinta e o abraço a uma certa intelectualidade marginalizada, um tanto fetichizada pela Europa. São muitas muletas que fragilizam o projeto, ao ponto de na saída da sessão alguns comentários que pude ouvir foram: “Pretensioso”, “Metido a intelectual” etc.
A Mostra Aurora desta 26 Edição da Mostra de Tiradentes, tiveram boas surpresas e algumas decepções, mas sem dúvida mostrou um bom nível de maturidade na maioria dos projetos, mesmo que com alguns deslizes visíveis. “A Vida São Dois Dias” comporta uma série de méritos estéticos interessantes, ainda que não consiga transformar isso em algo concreto e efetivo ao longo da obra, sobrando a curta memória de um plano ou outro que pode vir a receber elogios, porém não vai muito além disso.