A Senhora Que Morreu no Trailer
O delírio dos trópicos?
Por Vitor Velloso
Durante o CineOP 2021
“A Senhora Que Morreu no Trailer” de Alberto Camarero e Alberto de Oliveira é um documentário que difere de boa parte da Mostra de Longas Contemporâneos da 16ª CineOP. Perseguindo a história de Suzy King, o filme capta uma série de performances que visam homenagear a artista e encantadora de serpentes brasileira que foi encontrada morte em um trailer na fronteira do Estados Unidos com o México, e tenta responder algumas perguntas sobre a vida de Suzy.
A proposta inicial é ser esse filme-processo de maneira mais direta, apresentando os próprios diretores nessa busca pelos fatos e por uma sombra desse passado, na esperança de tentar responder algumas perguntas. Rapidamente entendemos que o grande interesse formal da obra, é encontrar sua personagem nas performances, uma ideia interessante mas que nunca acha um caminho de continuidade. O maior problema de “A Senhora Que Morreu no Trailer” é que suas escolhas parecem deslocadas o tempo inteiro. O espectador procura uma unidade que não existe, não por uma fragmentação dessa imagem ou da pesquisa, mas uma digressão tão aguda que o desinteresse é imenso. Em determinado momento estamos vislumbrando a falta de paisagem de Pasadena, contemplamos legendas e do nada estamos em São Paulo clamando pelo sucesso em uma rádio. Mas essas conexões são tão frágeis que o espectador vai se perdendo cada vez mais no projeto. É possível criar uma imensidão de pensamentos durante às 1h40 de projeção, dificilmente será uma reflexão em torno do que está sendo projetado.
A escolha de materializar esse diário do desejo na pele de Helena Ignez, Julia Katherine, Divina Valéria entre outras artistas, é bastante clara em sua intenção e por mais que tenta emular um Rogério Sganzerla na linguagem, parece que está perseguindo algumas ideias formais da Boca do Lixo, mas essa tendência passa a minar o próprio documentário. Tudo parece fora de lugar. Diferentemente do conceito subdesenvolvido do que seriam as ideias fora do lugar, o barato aqui é um caos pela perda da própria consciência. Uma espécie de obsessão por tentar encontrar essa representação de Suzy em cada uma de suas cenas, que vai perdendo a força com a progressão. Além disso, essa investigação por sua trajetória vai sendo esvaziada por essa falta de organização no material, não por acaso o longa fica entediante e perde parte do propósito. Se a mesma personagem formou essa “fera oxigenada” para o cinema em “Copacabana Mon Amour”, essa memória não encontra esse espírito de outrora. O negócio fica um tanto decadente, já que a nostalgia é uma base de apoio que encontra campo fértil em determinadas ideias mais conservadoras.
Alguns planos de “A Senhora Que Morreu no Trailer” consegue passar essa ideia da “terra arrasada” pelo tempo, onde diversos locais históricos na compreensão da história da protagonista, hoje são locais fechados, escombros ou soam como delírios verticais de um “desenvolvimentismo” meio barato. Porém, toda essa construção não leva a muitos lugares e parece perseguir a própria sombra, na esperança de algo sair dali.
A trajetória de Suzy é uma síntese de nossa dependência, a representação em Sônia Silk é a mimesis do subdesenvolvimento e a linguagem era parte fundamental nessa compreensão. Mas o longa de Alberto Camarero e Alberto de Oliveira aparece como uma miragem que vai se perdendo entre alguns delírios caóticos do asfalto, sem encontrar a própria força dos lugares que visita. Há poucos trópicos em “A Senhora Que Morreu no Trailer” e frases como “cansada de ver Deus sob a sombra de 40 graus” soam mais anacrônicas que deveriam. Essa complexa dialética entre o sucesso e o Brasil não é construída a partir da própria matéria e o resultado é um punhado de performances deslocadas de sentido, onde as cenas vão tateando para ver no que dá. Não dá em muitos lugares infelizmente. Ao menos a escolha das atrizes é bastante coerente e acertada.