A Possessão de Mary
Quem Vai Ficar no Mary?
Por Jorge Cruz
“A Possessão de Mary” não é o primeiro e nem será o último filme que gerará decepção sobre a carreira de um recém-vencedor do Oscar de atuação. Gary Oldman, que há menos de dois anos levantava sua estatueta por “O Destino de uma Nação“ é um daqueles astros que merecia ser obrigado a devolver o careca. O motivo? A total falta de senso ao aceitar distribuir seu talento em um longa-metragem que faz questão repetir ao máximo chavões de uma produção do gênero. Não tem como não esboçar um sorriso ao ler as notas de produção e descobrir que Oldman, na verdade, substituiu o titular do papel de David, esposo e pai de duas meninas que se encanta com a possibilidade de ter um veleiro chamado Mary. Quem deveria ocupar o constrangedor posto de protagonista do longa-metragem era Nicolas Cage. Esse sim seria coerente caso estrelasse este enlatado indigesto.
A tradução do título no Brasil já tira boa parte da graça do filme. Mary é o nome tanto do barco adquirido pela família quanto da filha mais nova do casal David e Sarah (Emily Mortimer). Como o português ainda possui regras para sua correta utilização, o nome já torna impossível assistirmo a um barco possuído, tornando a trama ainda mais óbvia. Sofreremos (ou não) alguns sustos para, da metade para frente, termos que lidar com a figura demonizada de uma inocente criança.
O diretor Michael Goi faz de tudo para entregar um trabalho digno em “A Possessão de Mary“. Experiente diretor de fotografia, ele foi o responsável pela função em boa parte dos episódios de “American Horror Story“. Com sessenta anos de idade, esse é apenas seu terceiro trabalho como cineasta. Entretanto, parece bem a vontade. Travellings e muitas brincadeiras com os objetos cênicos nos momentos iniciais, principalmente na cena em que David descreve minuciosamente o que é a embarcação Mary. Uma sequência tipicamente usada em trailers de obras genéricas como essa, onde boa parte da trama que se desenrolará é apresentada de plano.
Goi não tem culpa se o roteirista Anthony Jaswinski, que coleciona textos nesse estilo, entregue o produto mais preguiçoso que conseguiu escrever. Iniciando sua jornada em um depoimento de Sarah, desnorteada e desesperada para saber informações do marido e das filhas, usa o flashback para desnudar a trama, contando com o batido recurso do jump scare que, na verdade, se revelam sonhos da personagem. A obra aposta também na trilha sonora cortante de The Newton Brohters. Eles foram mencionados em nossa crítica sobre “Doutor Sono“ quando, claramente, jogaram para a galera ao reciclar o material original. Em “A Possessão de Mary” eles estão mais próximos do piloto automático.
Falando nisso, a atuação de Gary Oldman é quase um grito de socorro, como se quisesse mostrar que está ali pelo dinheiro. O pequeno arco dramático a partir de uma crise de casal não altera em nada a forma com a qual o ator age. Aliás, a filha mais velha Lindsey (Stefanie Scott), no meio dos problemas, decide revelar para o público – no melhor estilo novela mexicana – um caso de adultério. Artifício do roteiro risível de tão mal colocado, como se lembrasse que precisa estabelecer um conflito enquanto o segundo ato já se desenvolvia. Termina que Oldman e Mortimer precisam soltar suas falas rasas de maneira até um pouco constrangedora, com as personagens claramente incomodadas com a impertinência daquele drama.
O longa-metragem, apesar de menos de noventa minutos de duração, demora uma eternidade para avançar nas esperadas obviedades de sua história. Jaswinski tenta desenvolver um terror com base no drama familiar e insere apenas dois personagens fora do núcleo dos parentes. Com isso, não há espaço para as violências e nem mesmo para os sustos, que dependem dos pesadelos de Sarah para (tentar) tirar o público da cadeira. Isso deixa a experiência de assistir “A Possessão de Mary” como algo próximo do interminável.
Para que a tragédia fosse completa, bastava apenas um final nada conclusivo com uma cena que soaria como um pedido desesperado por uma continuação. Ela está lá, pode ter certeza. Michael Goi e Anthony Jaswinski, pelo visto, querem prolongar suas carreiras na indústria cinematográfica norte-americana apostando que a água do escritório do estúdio continuará batizada, levando outros produtores a apostarem no desenvolvimento dessa história. Quem sabe Nicolas Cage consiga espaço na sua agenda para interpretar um primo perdido da personagem de Gary Oldman? Sonhos que somente o gênero do terror permite serem sonhados.