A Outra Forma
Forma hermética
Por Vitor Velloso
Festival de Roterdã 2022; Fantaspoa 2024
Referenciando as normativas sociais e os padrões estabelecidos por instituições que exercem controle sobre as individualidades, “A Outra Forma” é uma animação que discute tantos tópicos diferentes durante sua projeção que seu caráter abstrato não se limita ao estilo do desenho e de seu desenvolvimento, mas também aos próprios debates que suscita. A coprodução Colômbia/Brasil, dirigida por Diego Guzmán, é corajosa ao buscar trabalhar uma obra que não compreende a realidade concreta, nos moldes de “Paprika” (2006), e não tem compromisso algum com didatismos. Pelo contrário, a obra embaraça a narrativa de forma progressiva, sem que isso signifique uma complexificação maior de suas temáticas ou proposições discursivas.
Aliás, este é um dos problemas da obra: à medida que o tempo avança, sua característica de refletir sobre os elementos de controle social e a necessidade de (literalmente) se enquadrar em uma normativa pré-estabelecida deixa de possuir alguma base alegórica para tornar-se verdadeiramente surrealista. Nesse sentido, “A Outra Forma” é quase um exercício estilístico, que tangencia uma série de pautas, mas nunca desenvolve nenhuma especificamente, pois sua ausência rítmica revela um interesse maior pela plasticidade do que por uma “trama”. Não por acaso, é fácil se perder no longa, não apenas pela confusa história apresentada, mas também por uma lentidão quase insuperável de idas e vindas de personagens unilaterais, presos aos mesmos conflitos e questionamentos de forma recorrente ao longo de todo o projeto. Assim, mesmo que o espectador compreenda seus “dramas”, a permanência do interesse pela narrativa torna-se muito difícil a partir do momento em que se estabelece um ciclo de problemáticas que se repetem constantemente, sem trazer nenhuma novidade para o debate contemporâneo ou para a própria obra. Por exemplo, todas as sequências deixam clara a inevitabilidade do “sistema”, de forma particularmente abstrata (quando não idealista), e das formas de repressão social e individual, com padronizações impostas através da própria forma dos corpos e rostos dos personagens. No entanto, não há uma saída de debate que vá além dessa repetição do cotidiano, marcada tanto pelas mesmas imagens cíclicas quanto pelas ações dos personagens ou pela interrupção abrupta dessas ações.
Nesse caminho, “A Outra Forma” torna-se um filme com cacoetes e dispositivos que não se completam, seja por sua incapacidade de promover debates mais profundos, seja pela abstração hermética, correspondendo mais a um formalismo em si do que a uma proposta de discussão sobre a sociedade distópica que apresenta, ainda que essa sociedade tenha breves traços da realidade contemporânea. Contudo, é de grande mérito a estrutura do universo apresentado, com desenhos expressivos e cores belíssimas, capazes de captar a atenção do espectador para uma particularidade do quadro ou para seu deslocamento em um espaço “renegado” da imagem. Entre as influências possíveis de notar para além de “Paprika”, “Moebius” parece ser algum tipo de referencial na arte e na construção do universo, ainda que os traços e a concepção surjam de uma proposta distinta, não da relação entre material e arte como no caso do artista francês.
De toda forma, os méritos estéticos de “A Outra Forma” não são capazes de superar a lentidão exponencial da montagem, que arrasta a atenção do espectador para seu ciclo de repetições e problemáticas apresentadas de forma superficial, tangencial e, muitas vezes, idealista, como se buscasse uma denúncia moral por meio de um formalismo belíssimo, mas esvaziado pelas escolhas de desenvolvimento. Assim, mesmo que seja possível apreciar as inserções discursivas e as tentativas de trabalhar com temáticas que remetem à realidade concreta das sociedades capitalistas contemporâneas, as proposições surgem quase que de uma aleatoriedade na construção de seus problemas, tomando como centralidade uma obsessão particular para tentar refletir acerca da totalidade. Não por acaso seu aspecto moralista parece sintetizar parte desse idealismo e abstração recorrente na película, pois é incapaz de transformar o caráter hermético em algo que seja possível de se refletir para além da projeção.