Alguns documentários que se propõe a contar a biografia ou qualidades musicais de seus artistas protagonistas, possuem alguma dificuldade de estruturar a obra para além do fascínio que mobilizou a realização do filme. Em alguns casos, há um esforço para tentar emular algumas características da personalidade do(a) artista, por vezes assume-se uma abordagem clássica de biografia. “A Música Natureza de Léa Freire”, de Lucas Weglinski, tenta equilibrar entre o didatismo de apresentar a qualidade da obra de Léa, contar histórias pessoais, estruturar suas influências, utilizar a imagem de arquivo para aproximar o público de suas memórias, mas não sabe como costurar cada uma dessas intenções. 

Nos primeiros minutos de projeção, uma montagem transita entre imagens de arquivo e uma performance, enquanto os créditos são apresentados lentamente, sintetizando parte do que é a experiência oferecida pela obra, uma união de recortes que não são capazes de se consolidar enquanto unidade. A montagem, assinada por Joaquim Castro e Lucas Weglinski, não consegue sustentar esses fragmentos e apenas fortalece a sensação de um projeto que se encontra em constante deriva, sem um rumo claro ou uma base para se sustentar, além da música e personalidade de Léa. Desta forma, “A Música Natureza de Léa Freire” consegue transmitir a grandeza de sua obra, mas não constrói nem uma linha para chamar de sua, quanto mais ser conexo. Não por acaso, o público acompanha suas composições, histórias, depoimentos pessoais ou de pessoas próximas à protagonista, sem distinguir o filme de uma grande homenagem. Nesse sentido, o projeto cumpre uma lacuna relevante nas obras audiovisuais sobre música brasileira, ao conseguir introduzir o público a uma artista pouco comentada dada sua relevância para a cultura nacional, ou mesmo sua qualidade inegável. 

Contudo, não apenas de desconexões podemos sintetizar o documentário, pois a proposta de transitar pelas músicas da artista e conhecer suas composições, inspirações e colaboradores, nos permite enxergar de perto a influência de Léa na vida de outras pessoas, descentralizando mais a obra e abrangendo um universo cultural que cerca sua música. Este é um dos méritos presentes no filme, pois além de ampliar os horizontes desse registro, nos oferece a grandeza pouco midiática da artista e sua capacidade de encorajar outras artistas mulheres por seu caráter exemplar.

“A Música Natureza de Léa Freire” possui grande dificuldade em lidar não apenas com a cronologia, mas sua própria estrutura fragmentada, assumindo essa percepção desconexa, talvez para emular alguma característica que julgue próxima à obra da artista, ainda que não consiga traduzir essa perspectiva ao longo de toda a projeção. De alguma forma, isso pode ser visto nas insistências por imagens sobrepostas, como que se acumulasse sensações e informações em um curto espaço de tempo. É uma característica particularmente comum em documentários que procuram abraçar uma temática sobre cultura, especialmente a música, mas não compreende qual o recorte de seu objeto precisa delimitar para construir suas discussões a partir de seu problema central. Possivelmente uma montagem mais rigorosa, que permitisse o desapego de determinados trechos ou uma organização mais concisa, fizesse o longa ser menos monótono, por compreender qual seu ponto de partida e onde pretende chegar com essas imagens. 

O problema aqui não é o excesso, mas a conexão entre essas imagens. Quando saltamos de uma imagem de arquivo, para um depoimento e voltamos para uma imagem de arquivo, que não há nenhum tipo de encaixe, podemos perceber os vácuos deixados pela estrutura de “A Música Natureza de Léa Freire” que não possui progressão. E isto para um filme que se propõe debater sobre música, soa realmente grave no fim da projeção. Válido pelas diferentes exposições realizadas por Léa e seus companheiros, o registro tem um claro propósito e função dentro da cinematografia brasileira, ainda que peque por conseguir se articular para tal.