A Música da Minha Vida
Luz demais pode cegar
Por Fabricio Duque
Indiscutivelmente, a música tem poder transcendental de mudar a existência das pessoas. A energia emanava, catártica, inspiradora e passional, serve como um gatilho de renovação. Uma autoajuda melódica. Assim, os filmes que abordam o universo musical precisam ser necessariamente um veículo de transporte à nostalgia, esta, que por sua vez, importa sinestesia pessoal de cada um de nós. O gênero, já condensado e definido como o de superação à transposição de barreiras, traduz-se pela jornada de movimentar e reagir sonhos em realidade. Projeção passiva do querer à ação ativa do “arregaçar as mangas da camisa”. Sim, há quem diga que o mundo cósmico ajuda a quem acredita incondicionalmente no desejo de seus futuros.
Depois de Freddie Mercury do Queen em “Bohemian Rhapsody“; Elton John em “Rocketman”; e recentemente The Beatles em “Yesterday”, a diretora Gurinder Chadha (de “Gatos, Fios Dentais e Amassos”, “Paris, Te Amo”), nascida na Índia, de nacionalidade Queniana e Britânica, traz em “A Música da Minha Vida” a história real (ficcionalmente inspirada) de um fã paquistanês apaixonado (que foi há mais de 150 shows) pelo cantor americano “não judeu” Bruce Springsteen, chamado de “The Boss”. “Bruce é a linha direta para tudo que é verdade nesse mundo de merda”, adjetiva-se e nós espectadores podemos viajar um pouco e encontrar semelhanças com a obra de Renato Russo da banda Legião Urbana.
O título brasileiro é mais uma forma da produtora em buscar uma condicionada aceitação da massa ao gênero de comédia-dramática romântica. O original é “Blinded By The Light” (algo como “Cego pela luz”), uma música do artista homenageado, que simboliza um divisor de águas. “Ele estava cego pela luz… Mamãe sempre me disse para não olhar para os pontos turísticos de sol, Oh, mas mama é onde a diversão está”, trecho que nos faz embarcar em uma ingênua rebeldia de filosofia hippie de ser. O longa-metragem é baseado no livro “Greetings From Bury Park – Race, Religion and Rock’n’roll”, de Sarfraz Manzoor, uma memória biográfica sobre o cantor “político, compassivo e ouvido por Ronald Reagan” de “coração faminto”, que fez com que um paquistanês pudesse viver “seu sonho americano em Luton (cidade do Reino Unido)”.
“A Música da Minha Vida” é uma declaração de amor. Uma ode a Bruce Springsteen. Envolto na atmosfera dos anos oitenta e noventa, o filme tenta reviver suas obras no meio do turbilhão de novidades do cenário musical. Um cardápio farto e infinito, que começa com Pet Shop Boys e “It´s a Sin”, passa por Debbie Gibson e chega a New Jersey, terra do “deus” das composições enaltecido aqui, que também traça um panorama social: o preconceito agressivo e físico (Bullying, descaso e “parada nazista e racista”) dos ingleses com os paquistaneses muçulmanos (os “novos negros”, que “dançam na escuridão”) e a tarefa árdua de manter a tradição e o orgulho de um povo imigrante (e não mais fugir da cidade hostil e “depressiva”).
A transformação acontece por uma epifania natural. Uma resposta-ajuda dos céus. A ventania personifica a patologia da raiva. Da ebulição. Com direito ao tom conceitual (e sim clichê) que destaca em tela palavras das músicas ouvidas. Nosso protagonista Javed (o ator Viveik Kalra, estreante em um longa-metragem) torna-se a “cereja do Bruce”. “Ele é um de nós (nascidos para fugir)”, diz outro fã em uma das entrevistas de arquivo que se passa na televisão. É um trabalho de convencimento. De repopularizar Bruce. Time Bruce. Sim, o roteiro apresenta-se facilitador, palatável e sentimental, como uma novela dividida por núcleos, sub-ações e personagens característicos (estereotipados): o pai autoritário que só pensa em ganhar dinheiro para sobreviver (em meio a crescente recessão) e para continuar no novo país; o amigo e a namorada, companheiros de viagem; e a professora à moda de “Ao Mestre com Carinho”.
“A Música da Minha Vida” também quer humanizar momentos constrangedores, como sair cantando e dançando sozinho por ruas (uma versão mais orgânica de “High School Musical”), soando brega em direção inocente e amadoramente improvisada. Sim, nós precisamos levar em conta que é um produto destinado ao popular, e que toda e qualquer inovação precisa ser lenta e muito sutil. Ainda se acredita nos elementos norteados de “sucesso”: açúcar demais e reflexão de menos. Saídas óbvias e poucas provocações. Sem esquecer, por exemplo, da famosa redenção e do final feliz.
O espectador é obrigado a aceitar a fantasia da vida perfeita. De que no final tudo será melhor, otimista e perfeito. Um pouco contraditório com o estilo resiliente de Bruce Springsteen, sobrenome que pode ser literalmente traduzido por “primavera pré-adolescente”. Sim, o meio termo. Não é verão, tampouco inverno. É o viver no equilíbrio, sem excessos e buscando a felicidade incondicional nas pequenas coisas. “A Música da Minha Vida” pode destoar com seu radicalismo importado, mas funciona por contar a história de um dos músicos mais incríveis da história musical mundial. Somos Todos Bruce!