A Jornada
Sobre caminhos e objetivos
Por Julhia Quadros
“A Jornada”, dirigido por Alice Winocour, diretora de “Augustine” (2012) e “Transtorno” (2015), retrata Sarah (a atriz Eva Green), uma astronauta, mãe solteira, que se prepara para realizar uma viagem espacial em breve e vive diariamente o impacto do distanciamento de sua filha pequena. É um olhar bastante completo e sensível para a questão da maternidade, de dedicação aos objetivos profissionais e um questionamento sobre o espaço que as mulheres ocupam nos ambientes de trabalho e como lidam com isto frente às mudanças em relação à maternidade.
O filme defende que as mulheres que vivem diariamente em ambientes compostos majoritariamente por homens não precisam rejeitar experiências ou características relacionadas ao universo feminino e tidas como limitantes do desempenho no trabalho, tais como o cabelo longo e a menstruação, que no começo da obra, a personagem opta por manter ao longo de sua viagem e seu treinamento, ainda que tenham sido classificados como pouco funcionais para o objetivo que buscava cumprir, bem como a própria maternidade em si; Sarah ao longo da narrativa tenta conviver com sua filha, escreve para ela e se sente insuficiente quando percebe que não está acompanhando suas mudanças.
Assim como “A Jornada” defende que aspectos amplamente relacionados a uma visão tradicional sobre as mulheres podem ser mantidos na sociedade atual sem atrapalhar as conquistas destas, também é um relato de uma personagem que perseguiu seus objetivos profissionais até obter êxito _ uma mãe não deve desistir dos seus sonhos para unicamente cuidar dos filhos. O filme acompanha o impacto deste processo em Sarah, que se vê emocionalmente ligada ao planeta Terra, contudo não mede esforços para atingir suas metas profissionais enquanto astronauta.
“A Jornada”, até certa parte do roteiro, estabelece uma dialética em que a personagem treina duramente, todos os dias, para atingir o preparo físico necessário para a realização da missão espacial, enquanto busca sem muito sucesso atender às demandas da filha; Sarah tem dificuldade de acompanhar seu crescimento e compreender seu cotidiano, o que ocasiona em um distanciamento entre ambas. Até que, em um momento de distração, seu colega de trabalho (o ator Matt Dillon) lhe diz: “Não existe um astronauta perfeito. Assim como não existe mãe perfeita.”. A partir disto, ela se permite errar, começa a compreender melhor a si mesma, bem como sua filha passa a entender melhor as escolhas da mãe.
É um filme cujo enfoque são as relações emocionais entre as personagens e nos perguntamos se o título se aplica a jornadas internas maiores que a saída de pessoas do planeta. São jornadas íntimas vividas por cada figura retratada, revendo significados de valores e trazendo novas interpretações para questões pessoais e profissionais. Em determinado momento, é citada uma astronauta que descobrira uma cratera no lado oculto da lua. É uma metáfora para a representação de Sarah, que permeia entre a visibilidade e as relações intrínsecas, entre a viagem no foguete e a jornada interna até sua filha.
“A Jornada”, em sua decupagem e montagem, transmite uma constante expectativa para a partida da protagonista, com planos de seu treinamento mais acelerados e dinâmicos, enquanto os momentos de convivência entre a mãe e a filha contam com planos mais longos e fechados, trazendo um enfoque para as interações emocionais entre ambas. Esta construção do filme corrobora a dialética entre convivência familiar e objetivos profissionais, o que a sociedade espera e que traz segurança e a aposta em algo que desafia os padrões e se objetiva conseguir. Como revelado ao final do filme, a obra de Alice Winocour busca retratar as situações de diversas mulheres astronautas reais, que embarcaram em missões e não deixaram de conviver com seus filhos.
Sobre seus objetivos, a diretora revela “Para mim, o cerne deste filme será recontar as emoções, capturar as vidas e a intensidade vital dos personagens. À medida que o lançamento se aproxima, esse impulso de viver deve se tornar ainda mais urgente, ardente e que consome a todos. Toda cena deve ser filmada para evocar velocidade, uma sensação de energia bruta”. A tal energia, como citada por ela, está presente tanto nas cenas de treinamento, tensões no ambiente de trabalho e na convivência em família quanto na decolagem do foguete ao final do filme. É uma realização, como ela defende, sobre o impulso de viver, o que existe tanto em planos pessoais, como profissionais e que, para atingi-los, são necessárias grandes viagens.