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A Filha de Um Treinador

Um road movie frio em pleno verão polonês

Por Vinicius Machado

Durante a Mostra de São Paulo 2019

A Filha de Um Treinador

A premissa de “A Filha de Um Treinador” pode parecer simples, mas carrega um turbilhão de questões em suas camadas mais profundas. A começar pelo seu clima, quando o espectador se remete à Polônia, muitas vezes o frio se torna dominante. Aqui, não. O filme, dirigido por Lukasz Grzegorzek, usa o verão europeu, na sua mais alta temperatura, para trazer a história de Wiktoria (Karolina Bruchnicka) e seu pai, Maciej (Jacek Braciak), que saem pelo país disputando torneios de tênis, em busca de uma oportunidade de se profissionalizar.

O mais interessante é que, mesmo usando cores mais quentes e um céu azulado para retratar o calor, as relações entre seus personagens e a construção de suas personalidades voltam ao senso comum de uma certa frieza europeia. Embora seu ponto principal seja a relação entre pai de filha, movida pelo sonho dele, há uma certa distância dos personagens em relação ao espectador. Talvez por uma demonstração de afeto distante das conhecidas pela nossa região tropical.

A direção também mantém um pulso firme nos atores para tornar esse senso ainda mais forte. Tudo é colocado no seu devido lugar, sem dar a chance de possíveis improvisos. É quase uma fórmula matemática de tão dura e exata, talvez robótica. Se a protagonista quebra o protocolo estabelecido até o momento, ele aparece sem qualquer indício de destaque. As coisas acontecem porque simplesmente precisam acontecer. Até mesmo as explosões emocionais se tornam uma dificuldade diante desse engessamento.

No entanto, isso não quer dizer que “A Filha de Um Treinador” não conte com peso diante das situações oferecidas pelo roteiro. Aqui há uma gama de fatores que convencem o público de que existe uma relação e que ambos se importam com ela. Desde as escolhas do pai, que seguem uma dedicação que envolvem uma dieta rigorosa, exercícios exaustivos e foco 100%, até a própria submissão da filha e a quebra dessas amarras ao descobrir novos interesses e o que o mundo externo lhe oferece. A soma de tudo isso resulta numa trama rica, complicada e, portanto, interessante de assistir.

E por mais que a sinopse direcione o receptor a entender que se trata de um filme sobre as descobertas da garota, é o pai que acaba sendo o grande ponto de estudo nessa trama. A jornada de autoconhecimento de uma adolescente pode ser um atrativo, seja nas relações ou para com si mesmo. Mas ver a evolução e a quebra de conceitos de um homem acima dos quarenta tende a ser ainda mais satisfatório.

Esse processo funciona ainda mais se houver a compreensão por parte do público. Não vilões na história, mas um conflito entre duas pessoas com ideais diferentes. Da mesma maneira, é importante absorver a ideia de que não se trata de ações movidas pelo amor ao outro, mas a si mesmo. O ponto central é a busca dos sonhos com as mãos de outra pessoa. Isso se evidencia ainda mais quando surge o personagem de Igor, interpretado por Bartlomiej Kowalski. O garoto também é treinado por Maciej e o padrão de comportamento se repete. Igor também se torna um ponto de virada no roteiro ao se aproximar de Wiktoria. O enredo dá indícios de que ela já buscava se desprender desse sonho do pai para seguir sua própria liberdade, mas é o garoto que causa essa erupção e, por consequência, o principal conflito do filme.

As atuações de Karolina Bruchnicka e Jacek Braciak funcionam a ponto de o público comprar a ideia de que se trata, de fato, de uma relação entre pai e filha. Ele, zeloso, rígido e, por que não, amoroso. Ela, sarcástica, com tons de rebeldia e carregada de dúvidas a respeito de si. No momento em que os confrontos tomam corpo, as atuações começam a aparecer mais e o filme ganha ainda mais força.

“A Filha de Um Treinador” peca pela sua frieza e pela direção entravada. Mas ainda assim entrega uma trama com diversas nuances e ensaios interessantes sobre paternidade, sacrifícios, dedicação, sonho e descoberta. A intenção de ser um road movie se perde um pouco ao não se desenvolver na estrada, mas não atrapalha na experiência de ver o desenrolar de um confronto entre a busca pela liberdade e a vontade de realização através do outro. Afinal, às vezes é preciso saber a hora de abandonar as quadras.

 

3 Nota do Crítico 5 1

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