A Ferrugem
Silêncio nem sempre é opção
Por Ciro Araujo
Durante o Olhar de Cinema 2022
Através de um início silencioso, acompanhado do cântico de pássaros dentro da selvagem mata, “A Ferrugem”, co-produção colombiana e francesa e de direção de Juan Sebastian Mesa, inicia-se. Assim como esse iniciar caminhou algumas palavras para introduzir o filme, a obra da Colômbia persegue também esse mesmo patamar. A ideia é gerir o espaço de contemplação para filmar o protagonista, um homem calado chamado Jorge, interpretado pelo ator Juan Daniel Ortiz Hernandez. A ponte feita pelo cineasta é a de uma geração que esquece do campo para se estabelecer no urbano. Já o personagem principal é uma antítese, levada por culpa e responsabilidades e pesada, enfim, através de seus momentos sem fala.
O silêncio consta na tendência fílmica para produzir uma certa e específica masculinidade. A do responsável, inabalável, que carrega um fardo. “Drive”, do dinamarquês Nicolas Winding Refn perpassa por esse neo-arquétipo – que inclusive leva a discussões sobre neurodivergência. Mas o que será que Juan Sebastian Mesa, o cineasta, pensava no momento de escrita? Afinal, o drone da introdução de seu filme é bem concebido, bem colorizado, possui um cuidado gigantesco e apreço pelo técnico. Mas de nada sai além dessa importância: a estética não se justifica, o contemplar é somente explicado por essa positividade esquisita que é levado pelo dilema protagonista: fugir ou não do campo. Durante alguns minutos de cenas que percorrem a sexualidade, passado e presente de Jorge, o diretor aplica o dispositivo para não apenas criar empatia mas compreendermos um pouco de sua complexidade. Mas a questão principal levada é do que há além.
A proposta de contrariar a nova natureza humana parece justa de se defender, mas não é realmente defendida de forma alguma. A todo minuto o silêncio permeia sob a tela que não parece corresponder com as necessidades fílmicas que “A Ferrugem” requer. Antes alguns diálogos fossem mais propostos, já que Juan o dirige muito bem durante o pouco tempo em que eles se destacam. O sotaque, palavras específicas da região, tudo transforma um ar místico que é possível não fosse a teimosia do longa-metragem em se conter ao suposto ar livre. O que o torna, categoricamente – e veja, é difícil não escolher palavra melhor – como bobo.
Pois bem, a estética do filme bobo é algo complicado de se escrever sem soltar um papo muito arrogante, mas infelizmente remete bem ao filme de Mesa. As complicações apresentadas são sobrepostas na visão de um orçamento para a fotografia esdrúxulo que justifica tolices como câmeras que sobrevoam. Todos amam uma boa grua, um ótimo equipamento com cenas bem planejadas, mas as cenas precisam de algo a mais. Eis o dilema estilo contra substância encontrado aqui, mas o estilo não recai para a produção da obra. O tolo, então, em uma câmera sólida que não caminha além.
Contudo, talvez o filme colombiano ainda possua algumas cartas na manga. Já caminhando para o seu longo final – que, contudo, é um filme curto –, vemos uma suposta festa, um reencontro escolar de pouco mais de dez anos. A escolha parece ser mais interessante porque obriga o protagonista, Jorge, a se comparar com o entorno em uma reunião muito mais adolescente do que parece. As tais responsabilidades surgem e funcionam como contraponto dramático. Enquanto os cortes o levam de volta para o seu mundo ameaçado sob uma doença corrosiva na fazenda, ele está ali, tentando se divertir e entrar na Terra banal.
Uma lição de moral que começa a confundir o usuário previamente acostumado apenas com uma contemplação e os próprios pensamentos (do espectador). Esse silêncio imposto marca o usuário, mas não é necessariamente efetivo, ao contrário de momentos onde a música eletrônica destaca para além do tradicional formato. Chegamos a lembrar de obras como as do franco-argentino Gaspar Noé. Mesmo que controversas, existe um quê poderoso em seus filmes atmosféricos e nas imagens produzidas, que “A Ferrugem” inclusive aterrisa perto dessa correlação, mas ainda assim toda sua forma é muito pesada. É de longe a suavidade proposta pela imagem de drone bem planejada. Essa imagem fria, claramente bem tratada com equipamentos de alta ponta, com técnica e experiência, mas de que nada servem para… bem, nada, na realidade. Talvez o ouro dos tolos esteja bem mais perto do que pensamos.