A distância que nos une
A "autoria" industrial
Por Vitor Velloso
Cinema Virtual
Como “Tess”, o filme “A Distância que Nos Une” parte de questões particulares da existência de suas personagens em seu âmbito dramático, aqui baseado no livro Picciridda, de Catena Fiorello, para uma conjuntura social que se organiza através da protagonista. A grande questão aqui é em torno de como aquela sociedade se encontra diante dos conflitos internos e como isso impacta diretamente uma garota de onze anos.
Grande parte das questões do filme surge como uma reverberação familiar, de algo mal resolvido, ou de caráter absolutamente moral que jamais irá cessar enquanto um dos lados ceder. Essa abordagem é sempre dada através da perspectiva de sua protagonista, logo é possível reconhecer um longa que mira esse amadurecimento e a perda de inocência para diversas situações. Não é tarde que ocorrem as primeiras mudanças na estrutura dramática e o filme busca emular as curvas diretamente na estética, a câmera muda seu foco, a imagem torna-se diluída em uma mise-en-scène que passa a enquadrar seus movimentos narrativos com a calma e a paciência de quem busca a construção de personagem acima de sua própria forma.
Mas as tentativas da Paolo Licata acabam caindo em uma estrutura que não dá conta de si, pois recorre sempre às facilidades do cinema comercial europeu, aquela fórmula necessária para a venda internacional da obra. A rentabilidade corrói. E é aqui a “A Distância Que Nos Une” passa a derrapar, pois parece ir de encontro à industrialização por uma necessidade financeira, ou mesmo uma recorrência de referencial falho. E aqui mora o perigo, pois há o velho autoreconhecimento autoral, onde simula-se a indústria de autorias, importada do mundo inteiro e construída à base européia, particularizando seus enquadramento, dando tempo à cena como quem segue a cartilha de sucesso nas premiações. Mas o drama aqui é tão frágil, que sua trajetória em festivais também é comprometida, já que o longa depende diretamente da catarse ou da compreensão das dores, para funcionar. Torna-se compreensível o uso excessivo desse processo esquemático, mas o estrago é inevitável.
Até mesmo a interpretação dos atores é cadenciada nessa tônica contemplativa da vida e dos acontecimentos ao seu redor. É a burguesia intelectual produzindo as obras que lhe interessam, que ligam diretamente com seus pensamentos. A articulação sentimentalista vira a chave para a produção e o espectador deve embarcar, caso contrário, irá desistir com certa facilidade. E aqui, novamente, me vejo obrigado a relembrar que obras como essa, apenas chegam ao Brasil direto para o streaming por uma falta de mercado nas salas de exibição, normalmente carregando fracassos instantâneos no mercado internacional. E o caso não é isolado, grande parte dessa distribuição se dá em torno de fracassos, monumentais ou irreconhecíveis. O memorando fica por conta da casa.
A moral cristã retorna, como sempre. Essa tônica da superação, da moral cristã ou mesmo dessa compreensão simbólica da figura institucional familiar, como uma deidade, é a grande verve a ser defendida no streaming brasileiro aparentemente. São raras as obras que fogem à regra.
“A Distância Que Nos Une” é mais uma obra que compõe o catálogo brasileiro, sem a menor pretensão de reconhecer o cinema nacional em suas exibições de preço ostensivo. A colonização é o mal do país, o subdesenvolvimento nos desgraça, mas claro, vamos relembrar que o cinema italiano sempre está em constante movimento de mercado. Colocações do lugar da indústria, sempre são necessárias, do contrário, não reconheceremos a própria estrutura do sistema que estamos aqui nos apoiando.
Por fim, o longa não consegue fugir muito da padronização autoral excessiva, onde a casa da “arthouse” encontra aqui uma fórmula mais independente, mas que mira e almeja o mercado internacional como quem persegue a patavinas da rebimboca. É o sonho da burguesia ser alçada à clássica. A manutenção de classes à aristocracia, mesmo que do cinema. Está certo que Oliver Stone tentou dar um empurrãozinho aqui, mas repetindo palavras de terceiros “Não sei que filme ele viu”. O colorido chamativo, os cortes cadenciados, a montagem contemplativa, o drama privado insólito e toda a necessidade dessa classe dominante, em reconhecer-se autora, está sempre sucumbindo projetos minimamente interessantes.