A Chorona
O lamento da vingança
Por Vitor Velloso
Na contramão do produto de Michael Chaves (para a franquia de “Invocação do Mal”), “A Chorona” de Jayro Bustamante é um caso extremamente particular no gênero do horror. Conseguindo unir uma abordagem política com o mito local, a situação de uma família na Guatemala possui duas frentes de atuação: o grito da população na rua e o choro da personagem do título. Diferentemente do que alguns textos pela internet podem dizer, o longa de Jayro é um terror em sua totalidade. Desde os primeiros minutos a exposição das imagens amaldiçoadas dão conta de uma certa reconciliação tradicional com a derrocada da família. Porém, essa construção é mais lenta que parte do cinema comercial está acostumada, já que a intenção aqui não é gerar uma perspectiva dinâmica e fetichista do mito, mas de construir a ideia a partir de uma abordagem que atualize certas perspectivas conservadoras. Algo que fica bastante claro em algumas entrevistas do diretor.
Está claro que ainda trata-se de projeto comercial e acaba caindo em algumas dinâmicas que abraçam o clichê do gênero, inclusive em referências à obras norte-americanas. Contudo, a maneira paciente com que as coisas são construídas aqui, faz com que os objetos de tensão não sejam meros dispositivos fáceis para a projeção, trazendo o espectador para um jogo de sedução que desloca seus personagens ao desconhecido. O mundo material vai sendo consumido pelo medo, pelo ódio, ciúme e outros males que desintegram a família tradicional, a partir de um “conto” ainda mais enraizado na cultura popular. Essa razão dialética na construção dramática do filme, faz com que as coisas funcionem de maneira pouco direta na maior parte do tempo, recorrendo a pequenas exposições que criam as dúvidas necessárias nesse funcionamento dicotômico entre a sanidade e a suspensão da realidade. Como resultado disso, “A Chorona” queima lentamente uma trama que não pode ser desvencilhada da imagem da mulher na obra.
Mais do que a reconciliação, é um jogo de poderes interno, enclausurado, que possui uma ameaça externa nas duas escalas, a da metafísica e a derrocada do controle sob a população. O genocídio do passado se ergue diante do assassino, mas a leitura da frente política por vezes aparece ambígua, denunciando um conservadorismo moral, a brutalidade, sem uma explicação sistemática dessa ordem. Isso acaba gerando uma certa limitação no espectro de como essa maldição e vingança pode ser compreendida de maneira totalizante, de toda forma, a leitura assumida por Bustamante não é inconsciente: a personagem do título é uma força que representa, em certa medida, a própria Guatemala. Essa condição material que dá origem ao mito, é um ponto que se mantém até os últimos minutos de projeção, sendo capaz de denunciar os crimes a partir da dissolução desse poder geral. A retomada, com figuras femininas, é dada a partir das fragilidades gerais de seus personagens, sempre atacando os pontos fracos: tanto do general Enrique, como de sua família.
O ritmo do longa acaba sofrendo um pouco com os recuos que “A Chorona” faz para conseguir ampliar seu raio de atuação, quanto mais ambicioso ficam, as coisas ficam mais arrastadas pelo esgarçamento do tempo e por decisões ambíguas diante das investidas mais comerciais e de transas com o terror de maneira incisiva. Quanto mais se aproxima de seu fim, mais compreende a necessidade de retirar o véu das interpretações e acelerar o impacto imediato de suas imagens. Nessa transição a obra sofre um pouco e acaba caindo em uma certa repetição de ideias. A montagem até é hábil em minimizar certos impactos nesse fluxo, mas não o suficiente para estancar por completo uma perda razoável de ritmo.
Entre os lançamentos da semana, “A Chorona” merece algum destaque em meio ao vácuo entre um blockbuster e outro, aliás, é o momento de algumas janelas curiosas para o cinema latino-americano, algo raro de se ver ultimamente.