A Chance de Fahim
Com Depardieu não tem texto ruim
Por Daniel Guimarães
Dentre os fatores que tornam a narrativa cinematográfica tão fascinante, está o poder de, através de seu formato, criar bons filmes a partir de histórias que, a princípio, são ruins. Em 1944, Howard Hawks dirigiu “Uma Aventura na Martinica“, adaptação do livro de Ernest Hemingway de mesmo nome. O diretor disse que iria fazer um bom filme do pior livro do autor. Assim surgiu uma obra prima do cinema clássico americano.
Entretanto, a narrativa também mostra seu outro lado. Se Hawks transforma um livro ruim em um excelente filme, Pierre-François Martin-Laval perde valores de uma boa história ao filmar a vida de Fahim em uma das questões geopolíticas mais graves da atualidade: a imigração.
“A Chance de Fahim”, baseado na história real do jovem Fahim (Ahmed Assad) e de seu pai, os acompanha fugindo de Bangladesh e chegando em Paris. Tentando uma oportunidade de construir um futuro para sua família e, junto disso, incentivar Fahim, uma promessa do Xadrez, estudando e treinando com o professor Sylvain (Gérard Departieu).
O filme mostra uma deficiência nítida com relação a direção e a uma estrutura narrativa. Vemos um filme sobre personagens sofrendo com o drama da imigração, mas que diz mais sobre a França do que sobre a própria conjuntura e vida dos personagens. A situação política no país natal dos protagonistas é abordada de maneira banal e apressada, limitados a expor que o pai “foi contra o regime” e por isso foi perseguido ou que “a situação por aqui está difícil” escrito pela mãe em uma carta.
Paralelamente, durante o primeiro ato de “A Chance de Fahim” a construção dramática e de tensão é extremamente mal conduzida, acelerando cenas e sequências que deveriam ter mais tempo para absorção do público. Não se cria vínculo, identificação ou sentimento de consequência em momentos que deveriam ser fundamentais. Ver a mãe sendo abandonada enquanto pai e filho fogem ou passar por militares no cruzamento da fronteira com a Índia são momentos em que a aceleração custa caro a narrativa. Além disso, nos poucos momentos que temos com a família junta, a decupagem parece perdida ao escolher as piores cenas possíveis, as que não dizem nada para o desenvolvimento dramático.
A montagem se apressa também na construção de uma vida em Paris. Leva-se cerca de 5 minutos da fuga de Bangladesh até a procura de um emprego em Paris. Como se espera criar um drama sobre a imigração quando questões essenciais são retratadas nessa velocidade ? Além disso, a direção parece acreditar que mostrar cenas de segundos sobre problemas que todo imigrante passa – burocracia governamental, desemprego, ilegalidade e deportação – fizesse o espectador imediatamente simpatizar com os personagens.
Mesmo as habilidades de xadrez de Fahim parecem preguiçosas ao serem apresentadas. Não há uma cena de demonstração interessante para que outros se impressionem com o menino. Ao invés disso, é algo verbalizado a todo tempo, expondo que ele é uma espécie de prodígio. Há particularmente um momento interessante que demonstra a desconjuntura narrativa. Em certa conversa, se expõe de maneira eficaz o tempo que a dupla já está na França: “Já está falando francês, com apenas seis meses?”, pergunta a diretora da escola de xadrez. Simples e eficiente. Pouco tempo depois, surge na tela uma legenda dizendo que estão em Paris há seis meses.
O conflito cultural presente em “A Chance de Fahim” torna-se incômodo por ficar repetitivo, principalmente no que diz respeito as frequentes tentativas de humor com as características do pai, que não sabe falar a língua francesa. Inclusive, a forma com que se retrata a figura paterna é problemática. Um homem que arrisca sua vida e sua dignidade para salvar seu filho, querendo lhe dar uma vida melhor, ser retratado como um constante “problema” é desrespeitoso, sendo passivo frente a todas as adversidades enquanto Fahim se desenvolve e os franceses os salvam. Sylvain inclusive assume uma figura paterna para Fahim em certo momento. Em contrapartida, a questão da pontualidade no horário (ou a falta de) é algo estruturalmente bem pensado e construído, tendo um clímax de tensão interessante e inesperado em certo momento do filme.
O recorte das aulas e das competições de xadrez também se destacam positivamente. E isso muito se deve a Gérard Depardieu. O carismático ator faz excelente trabalho ao criar um personagem muito particular dentro do universo do filme. Ranzinza do tipo cômico, a encarnação do ator parece gerar um tempo próprio na construção de seu personagem, algo que falta dentro do longa. Transformando mesmo linhas ruins de diálogo em interessantes, mostra em Sylvain um apaixonado e articulado professor.
O fato da história real em que se baseia ser interessante por si só ajuda “A Chance de Fahim”, com um final edificante, mesmo que constantemente sabotado por uma direção que insiste em cortar cenas, sequências e planos cedo demais, afastando sempre o espectador de uma narrativa que precisa da imersão e da aproximação com os personagens, afinal, trata-se de uma obra que procura a empatia quando os muros parecem ser tendência.