A Casa dos Prazeres
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Por Vitor Velloso
Produto da Bélgica/França que recebe um circuito limitado nos cinemas brasileiros “A Casa dos Prazeres”, de Anissa Bonnefont, em moldes parecidos com “Nostalgia” (2022), é um interessante projeto que não possui uma finalidade muito bem definida, mas que encontra um desenvolvimento particularmente sólido para sua protagonista Emma, interpretada por Ana Girardot.
A linguagem de Anissa Bonnefont não é inventiva na forma de representação e sua construção muitas vezes soa burocrática, ou formulada para padrões de festivais. Por essa razão, torna-se mais um projeto de circulação limitada que não apresenta grandes distinções. Contudo, a narrativa se mantém sóbria o suficiente para assegurar o espectador até o fim da projeção, sem grandes alardes e sem necessidade de apelar para algum conteúdo explícito desnecessário. Está claro que a sinopse envolvendo sua vida em um bordel para coletar informações e histórias para um novo livro, terá o prazer e o sexo como temáticas centrais do filme, mas não há um nenhuma cena incisiva que expõe um comprometimento com algo vazio e meramente estético. Existem alguns momentos que demonstram a tentativa de fazer com que “A Casa dos Prazeres” seja palco de belos planos ou mesmo de alguma analogia direta entre o prazer e as diferentes formas de representação/manifestação disso, como é o caso do plano da protagonista transando em frente à uma obra de arte.
Porém, o foco do longa não está nestes recortes específicos, e sim nas descobertas particulares de Emma, sobre o desejo, o prazer, a dominação, as relações sociais etc, chegando até sua relação com os homens. Esse processo que torna o drama interessante, pois transforma pequenos e breves encontros em questionamentos cada vez maiores da protagonista, que adentra em um mundo que desconhecia e passa a se afeiçoar pelas relações que vai tecendo. Entretanto, há algum grau de idealização dos bordéis em algum nível, não por parte de Anissa Bonnefont, ao menos não que fosse possível notar, mas sim de Emma. E essa romantização, pode incomodar uma parte dos espectadores, já que o tema, carregado de seriedade e complexidade, pode ser considerado uma espécie de diversão e não de estudo por parte da protagonista. Tal leitura só é possível a partir de algum grau de julgamento, o que não beneficia o próprio discurso que forma “A Casa dos Prazeres”.
Sendo assim, o problema do longa não está em seu discurso, muito menos na história que é apresentada, mas na estrutura que carece de alguma distinção em blocos dramáticos. Por exemplo, os eixos que envolvem a relação de Emma e sua irmã, são frágeis e comprometedores, pois são passagens que apenas problematizam as decisões, criando possibilidades de conflito sem nenhum tipo de desenvolvimento dramático dessas trocas, de uma profundidade na personagem da irmã e de uma finalidade em si. Tais cenas são facilmente descartáveis sem nenhum tipo de prejuízo na compreensão da obra. Da mesma forma, os momentos entre Emma e seu namorado, são clichês, de uma caracterização preguiçosa de romance, que apesar de contrastar com a maior parte do filme, servem apenas para criar uma separação de mundos, a partir de uma superficialidade que pouco acrescenta. Esses dois personagens são arremessados da narrativa sem nenhum tipo de cerimônia, quase como uma aceitação que a função deles enquanto dispositivo dramático se encerrou. Certamente, um cuidado maior com essas relações, fariam da cena no banheiro, onde Emma chora por uma situação que lhe ocorreu, muito mais potente, sem que dependesse exclusivamente da atuação de Ana Girardot para gerar algum impacto.
“A Casa dos Prazeres” possui uma narrativa particularmente sólida, mas peca quando aumenta a densidade de seu discurso, demonstrando a fragilidade do projeto em conseguir lidar com o desenvolvimento de seus personagens para além de sua protagonista, o que compromete a sensação geral causada pelo filme. E sua bela fotografia, às vezes é alvo de alguns dispositivos utilizados pela montagem que não são muito justificados, como os recortes na tela que lembram o “Love” (2015). Mesmo que seja mais sólido que alguns produtos europeus que caem de paraquedas no mercado brasileiro, não chega a ser um grande destaque.