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A Batalha das Correntes

Sem Energia

Por Jorge Cruz

A Batalha das Correntes

“A Batalha das Correntes” foi um dos produtos artísticos que mais sofreu os reflexos da divulgação da série de crimes sexuais cometidos pelo ex-poderoso produtor Harvey Weinstein em outubro de 2017. No mês anterior, o longa-metragem havia sido exibido no Festival Internacional de Cinema de Toronto, ao lado de parte das obras indicadas a diversas categorias do Oscar 2018. Por isso, é difícil entender a tese de que não se trata de um filme acabado. Dito isso, a má receptividade ao final de 2019, que pouco se relaciona a Weinstein, é sinal de que como a maneira de se contar histórias que ele mesmo aprimorou – e a indústria cinematográfica dos Estados Unidos tanto celebrou – envelheceu com problemas.

O roteiro de Michael Mitnick, que antes havia emplacado nas telonas apenas “O Doador de Memórias“, de 2014, mantém a exaustiva opção de Hollywood por contar a história pelo ponto de vista dos supostos vencedores. No caso, iça à condição de protagonista Thomas Edison (Benedict Cumberbatch), em sua busca incessante por desenvolver a tecnologia que nos permitiria o uso da energia elétrica com segurança e evitando que tomasse o caminho negativo da destruição e do exercício do poder. A questão é que essa figura histórica não obteve êxito em nenhum de seus intentos no período recortado e mesmo assim parece que “A Batalha das Correntes” não se preocupa muito com isso. É uma obra que procura a identificação mais simplória, lembrando um pouco o que “Um Método Perigoso” fez com as figuras de Sigmund Freud e Carl Jung em 2011.

Talvez o que mais chame a atenção no filme é a consolidação de Cumberbatch como principal escolha para encaixar personagens históricos de memória visual pouco consolidada junto ao público. Lembra muito o que Hollywood fez com Paul Muni, ator húngaro de nascença que cresceu em Chicago no início do século XX. Sua presença constante em produções dessa natureza lhe garantiu muitos convites para as principais entregas de prêmios na condição de indicado. Desde “A Vida de Louis Pasteur” em 1935 (Oscar de melhor ator), Muni foi Émile Zola (no ganhador da estatueta de melhor filme de 1938, “A Vida de Émile Zola“), Benito Juaréz e Joseph Elsner (em filme que contava a trajetória de Frédéric Chopin). Só que nunca passou pelas mãos do artista personagens ficcionais tão icônicos quanto Dr. Estranho e Sherlock Holmes, o que talvez garanta uma temporada mais iluminada para o britânico.

Assistir “A Batalha das Correntes” só faz sentido se o espectador faz exercícios de memória como esse. Passados alguns minutos fica na cabeça apenas a irregularidade de seu ritmo e de suas pretensões. O primeiro ato quer ambientar seu público com o fornecimento de informações de forma ligeira, quase como se estivéssemos vendo o resumo da primeira temporada de um seriado. O segundo seria, de fato, um episódio. O terceiro é algo indefinível. Portanto, se começamos a experiência um pouco perdidos, porém presos com o dinamismo da montagem, conseguimos materializar esse interesse despertado pelos inúmeros ganchos em uma trama minimamente consolidada mais adiante.

Só que o ato final peca por não aguçar no espectador nada diferente do que a leitura de curioso artigo sobre o tema. Não que seja necessária a abordagem da vida pessoal ou conflitos internos do protagonista. A mera representação histórica pode gerar um filme agradável. Todavia, “A Batalha das Correntes” segue seu caminho sem energia, sem emoção e – pior – sem crises a serem superadas. Temos um Thomas Edison seguro de si e suas convicções e aparentes antagonistas que não colocam a competição como fator estimulante.

O único ator que tenta fugir um pouco do piloto automático é Nicholas Hoult, tentando entregar o carisma que os registros dizem ser inerente a Nikola Tesla. Uma figura histórica que há muito merece uma biografia digna, sendo quase tão subaproveitada quanto em “O Grande Truque” (2006), quando foi vivido por David Bowie. Potencialmente mais interessante em suas camadas, Tesla transita entre a busca por competência e eficiência tecnológica e o debate ético, pontos em que Edison e George Westinghouse (Michael Shannon) valorizam em diferentes níveis.

No pouco que há de referencial, o filme não se faz entender. A menção ao polêmico curta-metragem de 1903, “Eletrocutando o Elefante“, importante para a vida do protagonista, para seu legado e para as primeiras produções audiovisuais norte-americanas, é um easter egg mal encaixado. O que amplia a decepção com “A Batalha das Correntes” é seu terço final que mastiga tanto as explicações sobre os rumos daquele momento histórico que beira o enfadonho. Seus raros os momentos inspirados, que ainda se perdem na encruzilhada hollywoodiana da preocupação em determinar os vencedores (no caso, os criadores), ignorando a força da cooperação e o poder da coletividade. No final, não há tanta certeza sobre quem venceu a tal batalha, pois parecia que o desenvolvimento da energia elétrica foi um mero detalhe naquela sociedade, dentro daquele grupo de notáveis. Tanto faz como tanto fez para eles. Tanto faz como tanto fez para nós.

 

 

2 Nota do Crítico 5 1

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