3 Atos de Moisés
Um recital “para” ou “sobre”?
Por Vitor Velloso
O documentário dirigido por Eduardo Boccaletti, “3 Atos de Moisés”, é uma grande homenagem a Moisés Mattos, músico nascido e criado em Juiz de Fora (MG), que vive na Alemanha há alguns anos. O filme acompanha um momento particular da vida de Moisés: a preparação para um recital em sua cidade natal, diante de seus familiares, no lendário Cine-Theatro Central, no centro de Juiz de Fora.
A estrutura do projeto é bastante simples: seguimos Moisés em JF e Bremen (Alemanha), enquanto ele conta histórias sobre sua infância, dificuldades e trajetória. Nesse sentido, existe um caráter monótono do ponto de vista da linguagem, que se torna repetitiva e arrastada com o passar do tempo, pois esse natural protagonismo se torna a única imagem a que o espectador tem acesso — e, muitas vezes, a única perspectiva também. Aliás, quando “3 Atos de Moisés” amplia esse retrato para as pessoas mencionadas pelo pianista, ou dá voz a esses agentes que o ajudaram da forma como podiam, o filme ganha algum respiro em seu desenvolvimento, mas também parece não estar tão certo de sua própria abordagem, já que parte desses depoimentos é feita com o intermédio de Moisés ou surge através de uma contextualização um tanto frágil. E este é um problema que aparece frequentemente na obra: uma tentativa de abraçar alguns dos elementos mencionados através da oralidade, que ou não funcionam, ou se apresentam de forma diletante, a exemplo do momento em que o vemos lecionando.
É curioso notar que um documentário com um personagem que conta uma história tão rica e complexa, sua própria trajetória, tenha tanta dificuldade de preencher suas zonas de interesse em tão pouco tempo, deixando a sensação de um filme que faz largo esforço para se tornar um longa-metragem. É possível que haja falta de material de arquivo para costurar melhor determinadas passagens; afinal, a grande quantidade de registros familiares — ou sua ausência — é um forte marcador de classe no Brasil. Ainda assim, existem formas menos burocráticas de registrar alguns desses momentos. Um deles chama atenção: quando Moisés visita seu antigo conservatório e conversa com Hilda Ferrari, funcionária do conservatório e amiga de Moisés. O enquadramento é tão prosaico que uma das conversas mais bonitas do filme se dá em uma câmera fixa, com um corredor escuro ao fundo e Moisés chorando no ombro de Hilda. Ou seja, às vezes há uma certa falta de refino nas arestas deste produto, pois o registro em si parece mais importante do que essa construção. Inclusive, nos créditos finais não há menção direta a quem assina a direção de fotografia do longa, o que já nos indica algo.
A sensação que “3 Atos de Moisés” transmite em diversos momentos é a de um compromisso quase institucional, como quem produz para alguém, com uma finalidade muito clara. Dessa forma, o produto acaba comprometido, pois, mesmo que o público se emocione com a belíssima história de Moisés, não há dispositivos suficientes para assegurar a atenção integral durante os 70 minutos. Pelo contrário: a preparação para o recital vai e volta na montagem — talvez para criar alguma expectativa desse desenvolvimento ou por falta de rigor estrutural.
Assim, é uma pena que o filme não consiga se articular dentro da lógica formal que apresenta, pois existem diversos debates possíveis, uma série de questões que poderiam ser abordadas e aprofundadas, mas que permanecem em uma superfície muito confortável. Por exemplo, quando se discutem as dificuldades que Moisés enfrentou para realizar o sonho de se tornar pianista, mencionam-se as questões materiais, a falta de dinheiro e os esforços do músico para ajudar a família atualmente; porém, não se detalham suas trajetórias institucionais, seus meandros. Pelo contrário: há grandes saltos que impedem o espectador de compreender, de fato, cada passo dado.
Por fim, o filme parece se articular para um desfecho apoteótico, com o recital no Cine-Theatro, mas não sabe como utilizar seus dispositivos para estruturar a caminhada até lá, e acaba seccionando o projeto em três atos, já anunciados no título, que funcionam apenas como menções intertextuais entre a vida e a música, ainda que não operem plenamente ao longo do documentário, seja enquanto ato, seja enquanto “episódio”. Quando Moisés alcança seu tão almejado sonho, tocar na Elbphilharmonie, o documentário apresenta apenas uma nota, uma breve imagem de apoio, e se encerra, reforçando a sensação de ser um produto institucional para algo em Juiz de Fora, e não uma obra concebida para homenagear Moisés.


