Uma derrocada evolução
Por Fabricio Duque
A franquia “X-Men”, iniciada no ano 2000 por Bryan Singer, sempre imprimiu uma ressignificação de simbolismos de diferenciada representatividade existencial. Baseada nas histórias em quadrinhos, que alertam à população com a metáfora crítica dos comportamentos preconceituosos, odiosos e intolerantes, seus filmes trouxeram a psicanálise da tentativa da inclusão e do confronto radical.
Assim, o conceito possuía mais importância que a forma dos efeitos especiais, por exemplo. O público era conduzido a um auto-questionamento de rever preceitos e expandir possibilidades pela fantasia dos mutantes raros com superpoderes, filhos do átomo superior, o próximo elo na corrente da evolução.
Em 2019, estreia nos cinemas “X-Men: Fênix Negra”, o décimo primeiro da saga da Marvel, que segue a linha do tempo do passado, ambientando o ano de 1992, para contar a história de Jean Grey, a mais poderosa dos mutantes (há quem diga que até mais invencível que Tanos, personagem de outra saga, “Guardiões da Galáxia” que encontra “Os Vingadores”).
“X-Men: Fênix Negra”, dirigido pelo estreante Simon Kinberg, que roteirizou os anteriores “O Confronto Final”, “Dias de um Futuro Esquecido”, “Apocalipse”), exacerba a liberdade poética criativa, destituindo ordem espacial e alterando a cronologia da história, talvez o objetivo inicial fosse se aproximar mais dos quadrinhos e menos dos filmes. É como se o roteiro constituísse um universo paralelo de existências, e zerasse toda o background já consolidado de seres peculiares, integrados e aceitos pela sociedade.
É uma fábula da evolução, mas nesta derivada versão spin-off, a última anunciada, o entretenimento puro e comercial quer os holofotes, deixando em segundo plano a premissa filosófica. Podemos até descrevê-lo como integrante do novo gênero já criado “horror de super-heróis”, que encaminha a protagonista ao “lado do mal” com a raiva incontrolável, o ódio passional e a vingança impulsiva a qualquer preço.
“X-Men: Fênix Negra” inicia-se pela intimidade imersiva. Somos conduzidos à sensação que desperta a emoção naturalista e contemplativa, com sua câmera lenta e microscópica, criando uma suspensão do tempo a fim de potencializar os impactos. Tudo é devidamente cadenciado, mas de imediato percebemos que nosso mundo mudou e que é refletido pelo cinema.
É preciso lidar com o exacerbado politicamente correto do empoderamento, como a lição de moral da Raven querendo mudar o nome para “X-Women”. E ou com a sensibilidade dramática das frases de efeito (“Você deve decidir o que fazer com o presente recebido” de “superar as expectativas”).
Este longa-metragem agora se aventura no espaço. E cada um possui controle total de seus poderes, entre egos versus propósitos. Necessidades versus sacrifícios. Com ou sem descansos com números musicais em raves-pop na floresta. Sim, a ambiência do sentimento, da premonição e da iminência do perigo estão presentes, só que superficiais, pululando gatilhos comuns de estímulos (elementos facilitadores do roteiro).
“X-Men: Fênix Negra” é um filme de confronto, da que “renasceu das cinzas” à figura de Cristo, uma paranormal de mente frágil e vulnerável com suas “proteções e muros”. De novo, metáforas psicanalistas. Segredos (protetores à verdade) vêm à tona e incentivam a violenta catarse. De “puro desejo, dor e raiva” desta “espécie primitiva”.
O espectador entende tudo. Todas as entrelinhas. Contudo, o frágil roteiro estabiliza-se no palatável e no básico confortável, padronizando características e soando preguiçoso em ir além. Que reverbera nos efeitos especiais, que são expostos sem apuro técnico, e, especialmente, nas interpretações, que se distanciam da “autenticidade da esfera da técnica interior do ator, e seu estado, sensação, experiência sentida, em consequência direta em grau máximo de expressividade”. Sim, um ator deve naturalizar seu personagem a ponto dissociá-lo da própria construção.
Sergei Eisenstein, em “O Sentido do Filme” também pode nos ajudar a entender quando explica que “sem esforço para representar o próprio sentimento, é possível suscitá-lo pela reunião e justaposição de detalhes e situações deliberadamente selecionadas entre todas as que primeiro se acumularam na imaginação, rumo à formação e intensificação da emoção”. É exatamente assim que acontece nos dias de hoje.
A interpretação está menos sutil e mais forçadamente caricata. Mas também não é mais percebida pelo aumento dos planos, que estão mais rápidos que uma piscada. “X-Men: Fênix Negra” é um produto de entretenimento. Que manipula com sua edição ultra rápida. Que eleva as cenas de ação. Sim, o mundo mudou com sua agenda-setting que vende o que acha que é vendável. E o público bombardeado retroalimenta a derrocada da evolução atual, com homenagem a Stan Lee e sem cenas pós créditos.