Ficha Técnica
Direção: Ana Rieper
Roteiro: Ana Rieper
Elenco: Documentário
Fotografia: Manuel João Águas
Trilha Sonora: Aurélio Dias
Produção: Suzana Amado
Distribuidora: Vitrine Filmes
Estúdio: Amado Arte & Produção
Duração: 76 minutos
País: Brasil
Ano: 2011
O Morango Antropológico do Nordeste
Por Fabricio Duque
Se procurarmos no dicionário Aurélio o significado da palavra brega, encontraremos “que se considera ser de mau gosto ou não ter refinamento, de qualidade inferior”. Não, o documentário da diretora Ana Rieper não é brega, nem inferior. É um trabalho sobre o gênero musical que embala corações e sofrimentos de pessoas, principalmente, da região nordeste do país. Mas acima de tudo o filme comporta-se como uma análise antropológica, adquirindo às vezes o grau antropofágico dentro da metáfora do consumo exacerbado do amor. Quem nunca sofreu de amor? Deste ponto de partida, a diretora desperta questionamentos sobre a percepção subjetiva de cada um. A música brega é de qualidade inferior? Utiliza-se de rimas fáceis e palavras palatáveis? Faz parte da música popular brasileira? São perguntas que induzem o tempo de permanência na sala de cinema. “Todos sofrem de amor: o pedreiro e o médico. A diferença é que o médico chora num apartamento de frente ao mar”, diz um dos entrevistados.
O documentário “recupera” a voz (do ostracismo) de ícones assumidos da cultura “definida” brega. Podemos rever Nelson Ned, Amado Batista, Agnaldo Timóteo, Lindomar Castilho, Wando (falecido recentemente), entre tantos outros e conhecer cantores locais, que se “seguram”, às vezes, no único sucesso que encontra outras regiões “elitizadas” brasileiras (Morango do Nordeste, por exemplo). Nas décadas de quarenta e cinquenta, a temática dominante era a “romântica”, nas vozes, por exemplo, de Orlando Dias, Carlos Alberto e Evaldo Braga, e foi a precursora do assunto em questão aqui. A diretora baseia-se na hipótese de que a música era usada para embalar os romances de aluguel nos prostíbulos nordestinos a fim de direcionar os espectadores pelo caminho escolhido por ela. Há quem defina o filme como lento e com perda de ritmo, mas não é. O objetivo pretendido é traduzir em imagens uma nostalgia de prisão temporal que acomete aos pertencentes à região abordada. As cenas em que a câmera passeia seguindo o sol, embalada por músicas “bregas”, são de uma poesia atroz e só isso já estimularia a escolha de se assistir ao filme.
Outra nostalgia perceptível é dos próprios depoentes. Eles tiveram a sua época de ouro e não encontram mais lugar no mercado musical nacional, tendo como saída, então, apresentações esporádicas a um público específico. Encontram abrigo (e refúgio) nas execuções radiofônicas, eletrodoméstico tão comum e tão presente na vida deste povo, que se assume como brega. Tentando decifrar o gosto respondido, podemos “tomar emprestada” a expressão “menos é mais”, porque este é o mundo deles, o universo ao redor, de só buscar o amor (e o estar junto) como forma passional e visceral de uma vida que oferece pouco e limitadas opções. A busca pela paixão, consequentemente o sofrimento, porém não necessariamente, é o vício. É o alimento (“antropofágico”) que pulula as próprias almas. O amar demais, intensamente, de forma incondicional, despertando instintos variados, possíveis, desesperados e amargos, como a traição de um “dia pro outro”. Um dos entrevistados resume o que acabei de dizer: “o amor não é uma união de orgasmos e sim de almas”. Concluindo, um filme que desperta o riso sem o clichê (apenas por existir, exemplo do homem com duas mulheres) e a emoção (exemplo do homem que se apaixonou a primeira vista por uma prostituta). Vale à pena assistir! Recomendo.
A Diretora
Ana Rieper é documentarista e diretora de TV há cerca de 10 anos. Tem formação nas áreas de Cinema, Antropologia e Geografia. Tem caracterizado sua trajetória pela realização de filmes que buscam entender a cultura popular brasileira e a história dos costumes a partir da intimidade e da vida cotidiana. Atua também como diretora de filmes institucionais nas áreas de Meio Ambiente, Arqueologia e projetos ligados a movimentos sociais.
Filmografia
► Curta-metragem Mataram meu gato, documentário sobre o processo de remoção e transferência de favelas no Rio de Janeiro, premiado pelo edital Petrobrás Cultural. Raccord Produções. (2006)
Mosta competitiva 17º Festival de Curtas de São Paulo
Première Brasil – Festival do Rio 2006
Goiânia Mostra Curtas
Festival Internacional do Filme Etnográfico – RJ
Recine – Festival Brasileiro de Filmes de Arquivo
Mostra de Cinema de Tiradentes
Menção Honrosa – Prêmio Pierre Verger
► Curta-metragem Veluda, sobre maternidade e ecologia no baixo rio São Francisco (2005).
Menção Honrosa – Mostra do Filme Livre
8º Festival de Curtas de Belo Horizonte
Festival brasileiro de Cinema Universitário
Cine Esquema Novo
► Média-metragem Positivismos, documentário para a exposição “A Medicina Brasileira e sua Relação com a Medicina Francesa”, Casa de Osvaldo Cruz, Museu Val-de-Gras – Paris. (2005)
► Longa-metragem Na veia do rio, documentário sobre uma história íntima das populações ribeirinhas do baixo rio São Francisco. Paladina Filmes. (2002)
Forumdoc.bh.2002
V Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental – FICA
Exibição itinerante no baixo São Francisco – 17 sessões para mais de 5000 pessoas
Cine Eco – Festival Internacional de Cinema Ambiental de Serra da Estrela – Portugal
Doc Lisboa 2004
Sasà Awards – Festival Internacional de Cinema Ambiental – Itália
9a Mostra Internacional do Filme Etnográfico – Rio de Janeiro
► Curta-metragem Saara, documentário sobre região do centro do Rio de Janeiro. Universidade Federal Fluminense. (1998)
Melhor Filme – II Festival do Filme Etnográfico e Antropológico de Belo Horizonte (atual forumdoc.bh)
Melhor Direção – I FESTCINE, Belo Horizonte
6ª Mostra Internacional do Filme Etnográfico, Rio de Janeiro.
4º Festival Brasileiro de Cinema Universitário, UFF, Niterói – RJ
3º Festival de Cinema e Vídeo de Curitiba
56th Antalya Golden Orange Film Festival, Antalya, Turquia
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Nota do Crítico
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