Prosopopastiche
Por Michel Araújo
Manou (dublado por Josh Keaton) é uma andorinha cujos pais são aparentemente mortos por ratos, ele cai da árvore enquanto ainda estava no ovo e é resgatado por uma família de gaivotas que o acolhe. A andorinha tem que passar por várias etapas sentindo-se deslocado e insuficiente, simplesmente por não ter os artifícios necessários para se encaixar ali. Quem acolhe Manou são os seus pais adotivos, Blanche e Yves, que são dublados por Kate Winslet e William Dafoe. E essa é a única coisa minimamente interessante até então.
A história de “Voando Alto” (2019) – dirigido por Andrea Block e Christian Haas – se trata de algo bem infantil e mastigado, nada muito diferente de alguma animação tentando se parecer com qualquer outra da Disney, com uma lição de moral bem difícil de identificar. O protagonista é rejeitado por sua colônia de gaivotas após incidentes com ratos, que alcançam o objetivo de roubar um único ovo mesmo com tamanho esforço de Manou. Acontecem cenas de tristeza e negação de seus pais e principalmente seu irmão de criação, Luc. Depois da cena de expulsão, que o filme começa a se desenrolar.
Outros personagens dão um certo alívio cômico, o Parcival (dublado por David Shaughnessy) é o principal deles. Uma galinha d’angola que não consegue voar e sempre tenta ajudar os outros em sua volta. Ele passa por várias desventuras, quase morre em várias delas, mas sempre consegue dar um jeito. Com o decorrer do filme, outras andorinhas aparecem e fazem com que Manou se identifique e se veja representado por outros animais, ganhando assim mais confiança e até aprendendo a voar.
As outras andorinhas são Kalifa (voz de Cassandra Steen) e seus dois irmãos, juntos eles fazem o protagonista encontrar a si mesmo e viver sem tanta insegurança com suas próprias habilidades. Infelizmente as duas colônias tem certas rixas entre si, mas um inimigo em comum, os ratos. Os ratos roubam os ovos das aves para se alimentar e com isso gera muitos problemas para as famílias. Manou teve problemas em sua outra colônia por não conseguir defender os ovos e mais uma vez, vê tudo acontecendo em seu novo lar.
A animação “Voando Alto” em si não possui a melhor das definições. A necessidade de realizar um filme infantil usando animação em computação gráfica fica aqui questionada. Dada a qualidade tanto dos diálogos como dos gráficos visuais, o filme parece ser uma série de cut scenes de um videogame. Não há tanto drama na história do filme quanto o que parece ser a necessidade de se cumprir objetivos burocráticos da narrativa, tal qual um jogo raso o faria. As linhas de diálogo não trazem profundidade para os personagens, os quais parecem todos monodimensionais. As situações são apenas pequenos arcos clichês para a resolução da história inteira do filme.
No geral, o longa “Voando Alto” parece aspirar aos mesmos encantos das prosopopéias disneycas, porém falhando nos pontos cruciais dessa estrutura de filme infantil. A organização do espaço e as feições dos personagens não são elaboradas ao ponto de manifestarem beleza própria. Um exemplo significativo é quando o filhote Manou sai de seu ovo e o plano ponto-de-vista que vemos em seguida é de uma composição pobremente organizada, sem um ponto de fuga discernível para o que de fato atraiu a visão deslumbrada do protagonista recém-nascido.
A cena musical, por sua vez, está por demais deslocada, mesmo dentro da proposta da música ter surgido “por acaso” na interação dos personagens – uma cena de “Tarzan” (1999) vem à mente. Os vilões do filme estão descaracterizados, e não é um antagonismo sólido dos ratos ante as aves, apenas situações adversas em que os ratos acabam por serem os vilões. O desenho caricato dos roedores e sua ausência de falas gera uma monodimensionalidade maior ainda com relação a esses “animais do reino animal”, que são considerados selvagens e irracionalmente maus mesmo por outros animais.
Muito embora seja um filme infantil, não há o mesmo esforço moral ou estético dos títulos que dominam esse mercado, que se dá menos por uma tentativa de fuga ao padrão do que por uma ambição fracassada de reproduzir esse padrão. “Voando Alto” não é uma manifestação de arte infantil aquém dos padrões comerciais e do status quo cinematográfico, mas um pastiche dos mesmos.