Uma Mulher do Mundo
Ansiedade maternal de garantia para um futuro melhor
Por Paula Hong
A passagem da adolescência para a vida adulta é marcada pela pressão da escolha que irá traçar o caminho profissional, considerado por muitos, como definitivo — aquele que garantirá benefícios a médio e longo prazos. Alguns concretizam essa idealização, outros não. O fato é que muito disso é alimentado pelo desejo e sonho dos pais de que seus descendentes possam construir e usufruir de uma vida que eles não foram capazes de ter. Os meios para tal objetivo compreendem escaladas ainda menores: para se ter um bom emprego é preciso uma educação de qualidade que, por sua vez, iguala-se a instituições privadas com suas promessas implícitas de ascensão social e profissional instantâneas. A questão que fica é: como custear isso? quanto e o que vale para tornar esse sonho concreto? Dentro desta perspectiva, “Uma Mulher do Mundo” explora o frenesi da ansiedade maternal de Marie (Laure Calamy) em garantir através de meios próprios que seu filho Adrien (Nissim Renard), um adolescente temperamental – como muitos de 17 anos – dê passos mais largos no processo de transicionar de um adolescente irresponsável e preguiçoso, mas com potencial, para um jovem adulto que garanta a sua independência.
Assim, não é difícil entender a motivação principal da mãe que faz tudo pelo seu filho, mas o modo não convencional com que tenta encorajá-lo é retratado através de um recorte que traz alguns debates durante o filme: a marginalização de pessoas que recorrem a outros meios para garantir subsistência e o Estado que fecha os olhos para elas, mesmo tendo ciência do que acontece; reafirmação da existência dessas pessoas que, de uma forma ou de outra, contribuem para alavancar a economia do país, mas que não são moralmente tratadas como dignas de terem seu direitos garantidos. No entanto, é claro que esses assuntos ficam na superfície, e muito disso é lido por entre as linhas tendo em vista que o filme foca no possível e o impossível que uma mãe pode fazer por seus filhos.
A apresentação da personagem, logo na primeira cena do filme, revela o seu ofício: prostituta independente. Porém, não é isto que a define: a segunda cena do filme mostra o relacionamento complicado que tem com o filho; o que em certa medida lembra alguns filmes do diretor e ator canadense Xavier Dolan. Ao mesmo tempo que insistentemente lida com Adrien e suas irresponsabilidades, Marie divide-se entre o trabalho autônomo – fazendo os próprios horários e os preços – e participa da organização de um protesto que visa a revogação da “Lei de Penalização do Cliente”, reivindicando melhores condições de trabalho. Fica clara a tentativa do governo de jogarem essas mulheres ainda mais para a tangente, apesar de grande parte dos clientes casados usufruírem deste tipo de “serviço”.
A insistência de Marie para com Adrien e sua afinidade no meio culinário vinga em uma vaga na melhor escola para chefs da cidade. No entanto, ela é particular e é preciso que a primeira prestação de alto valor seja paga antes das aulas começarem. Contra o tempo, Marie recorre a medidas mais extremas e acaba indo trabalhar em uma boate — a “liberdade” do trabalho autônomo é posta de lado para seguir as regras do local. É interessante como o contraste de concorrência entre os dois mundos (autônomo e controlado) é mostrado, no entanto há sempre rivalidades que tensionam para uma possível resolução drástica que nunca chega.
De qualquer modo, em “Uma Mulher do Mundo”, a diretora francesa Cécile Ducrocq retrata uma mãe que desesperadamente agarra a oportunidade de poder ajudar o filho a ser alguém melhor e a seguir um caminho frutífero. A ansiedade de ter as expectativas realizadas é tanta que passa a impressão de querer seguir aquele meio profissional mais do que ele. A imaturidade emocional de Adrien acarreta em brigas acaloradas e nervosas quando Marie tenta fazer o filho entender que ele precisa tomar um rumo na vida.
A insistente projeção de uma vida digna para seu filho traz resultados preliminares: enquanto as aulas não começam, ele passa a morar com ela, consegue um emprego em um restaurante modesto e ajuda em casa. Marie, por outro lado, envolve-se em problemas na boate e não consegue o dinheiro para garantir a vaga dele na escola prestigiada.
Ao final de “Uma Mulher do Mundo”, pode-se interpretar que Marie estava com a mente tão nublada por querer assegurar a participação de seu filho em um meio “que não é para eles”, pessoas adjacentes à sociedade, que machucou a sua relação com ele. Ironicamente, ele passou a respeitá-la mais e a se esforçar mais quando sua autonomia no meio de prostituição em que atua voltou. E, finalmente, ele começou a dar os próprios passos para garantir o começo de uma carreira como chef naquele restaurante modesto. Ele está feliz e realizado, e para ela isto é o suficiente. Uma das mensagens do filme traz que uma vida ordinária vale muito mais a pena do que permear por grupos sociais que não valem a pena o risco de passar por situações degradantes e extremas.