Romantização Não é mais a Solução
Por Jorge Cruz
Aqueles que terminam uma sessão de “Um Amor Impossível” entendendo ser uma história de amor mal resolvida precisa rever seus ideias de romantização. A diretora Caherine Corsini (“Um Belo Verão”), adaptando o roteiro da escritora Christine Angot estrutura o longa-metragem com brilhantismo tal que não há qualquer lacuna nas relações entre os três personagens de destaque.
A protagonista Rachel (Virgine Efira, de “Elle”) é apresentada a partir da narração de sua filha, Chantal (na fase adulta vivida por Jehnny Beth) no ano de 1958. Desde o início, fica clara a ausência de referências masculinas em sua vida. Após um noivado mal sucedido, Rachel se envolve com Philippe (Niels Schneider, de “Amores Imaginários”), homem atraente, descompromissado e que, no contexto de vida cheia de amarras impostas àquela mulher, pode ser considerado um bom amante.
Corsini desfila um primeiro ato adocicado, em que o casal de “Um Amor Impossível” se mostra em pura sintonia. A objetificação do corpo feminino nas cenas de sexo é completamente repelida. Uma vez que a intenção é mostrar uma mulher que sente prazer pelo parceiro, o foco passa a ser justamente essa abordagem. Philippe é o típico jovem que usa os atalhos necessários para ser amado, se adaptando aos pensamentos de Rachel.
Ela é uma mulher preparada para o caminho que o mundo traçaria nas décadas de 1960 e 1970, mas jamais chegará a fincar sua bandeira neste espaço. Em seu trabalho, ainda jovem, já questionava o motivo pelo qual os homens podem usar calças e as mulheres não. Talvez por isso não tenha estranhado quando seu namorado propôs um relacionamento aberto – e não se deu conta de como as pessoas podem se mostrar diferentes do que são ao aceitar uma última noite de sexo sem as precauções necessárias. O ato adocicado termina com Rachel grávida e Phillipe se mudando para outro país.
A partir daí “Um Amor Impossível” não só aproxima sua trama da realidade, como o faz de forma libertadoramente fiel. Ao registrar Chantal, sua filha, com “pai desconhecido”, Rachel equipara sua realidade àquela de infinitas mães ao longo da História, que em qualquer época e lugar sofreram com a covardia de homens como Philippe. Não sei se por coincidência, mas assim que o nome Chantal começa a ser pronunciado no filme, não há como não se lembrar da brilhante diretora belga Chantal Akerman e sua forte biografia.
O ritmo do filme, disposto a percorrer um longo arco na trajetória da protagonista, o deixa próximo do conceito de great american novel, que Hollywood trouxe da Literatura para o Cinema e nos entregou algumas das grandes produções daquele país. A diferença é que dessa vez o personagem masculino une algumas das características e atitudes mais odiosas e comuns ao seu grupo. É um modelo do que há de mais abominável em um relacionamento que, de fato, nunca existiu. Uma canalhice, inclusive, extensível ao seu pai. O texto de Corsini consegue nos mostrar o quão fácil é a vida de Philippe, que usa sua agenda profissional atribulada como desculpa e, a partir de cartas esporádicas, consegue manter acesa a chama de um amor falido.
A produção de primeira linha e a direção de arte exemplar são apenas alguns dos fatores que transformam “Um Amor Impossível” em um dos grandes filmes desta temporada. Partindo do final da década de 1950 até o novo século, é uma obra que ri para qualquer tentativa de redenção de seus personagens. Desnuda o ser humano a partir de seu recheio mais habitual, o da pura covardia. Mesmo que Chantal siga a tendência da ignorância juvenil de destilar injustiça com quem lhe quer bem, o roteiro ainda consegue ao final ser o mais otimista possível a partir do cenário que apresenta.
Sua linearidade a partir do foco da narradora é apenas uma das semelhanças do filme com o sublime “Desejo e Reparação”. Basta identificar a forma como os atos se apresentam: carregados de romance no primeiro, bastante atribulado e caótico no segundo e pouco redentor no terceiro. Mesmo com uma ambientação muito diferente daquela adaptação do romance de Ian McEwan, até mesmo o epílogo revisitante está lá, em um confronto da narradora consigo mesma.
“Um Amor Impossível” nos encanta ao mostrar o quanto nossas origens e o passado de quem está próximo diz muito sobre nós mesmos. É pessimista ao entender que o ser humano, mesmo com toda a carga de experiência traumática, não consegue fazer diferente e acaba levando o mal aos outros em muitas oportunidades. Mesmo assim, embasa toda a sua trama em personagens tão bem construídos, que é muito difícil não levar consigo o lamento pelo apagamento e anulação que amor gerou em Rachel, uma heroína incapaz de narrar até mesmo sua própria história.