Tudo Sobre os Curtas-Metragens do Cine PE 2023
Um balanço sobre os filmes curtas e médias-metragens que foram exibidos na 27ª edição do festival pernambucano
Por Clarissa Kuschnir
Como vocês sabem o Vertentes do Cinema é o único site que tem em programação, a exibição de curtas-metragens no Brasil. E agora todos os dias, temos um curta rodando na plataforma, ou seja, é a oportunidade do leitor poder assistir, a diversas obras diferentes. E dentro dos festivais, as mostras de curtas geralmente, são bem concorridas. E esse ano no Cine PE 2023, não foi diferente. Inclusive, me surpreendi, com que vi nas sessões. A curadoria se preocupou com temas que conseguiram dialogar entre os curtas longas, em todas as sessões. Além das mostras competitivas de curtas pernambucanos e nacionais, o festival abriu um espaço na concorrida agenda para uma mostra paralela, com o tema cinema, que ocorreu na tarde do feriado de 07 de setembro, no Cinema do Porto/Cinema da Fundação. E com sala cheia!!!
Começarei com a falar da Mostra Competitiva de Curtas Pernambucanos, que abriu com a animação “Depois do Sonho”, de Ayodê França. A encantada animação fala sobre o universo entre um pai e uma filha, levou o Calunga de de melhor trilha sonora e edição de som.
O segundo filme “Invasão Ou Contatos Imediatos de Terceiro Mundo” fez a plateia se divertir durante a exibição. Eu mesma achei muito divertido, apesar de não apresentar nada de tão inovador. Porém o curta foi dirigido pelos estudantes Hugo Barros Aquino e Maria Eduarda Soares Gazel, e ultimamente os trabalhos realizados por estudantes de cinema têm se mostrado bastante promissores nos festivais. Aqui, os diretores realizam um doc em que alienígenas invadem a capital pernambucana e uma equipe de documentaristas sai para pegar depoimentos dos moradores locais. O curta que foi muito bem recebido no festival levou os Calungas de melhor ator para Paulo César Freire, pelo júri oficial e melhor filme de curta pernambucano, pelo júri popular.
Na terceira noite do festival foram dois curtas exibidos na tela do Teatro do Parque: Mestra Juditaenga, de Edmundson e Tuca Siqueira e “Quebra Panela”, de Rafael Anaroli. O primeiro é um documentário que retrata através do depoimento da própria personagem do título questionado sobre sobre sua ancestralidade. Já a ficção “Quebra Panela” foi um dos filmes que mais conquistaram o público e a crítica, no Cine PE. E sim, é uma curta delicioso onde o diretor mostra os bastidores de uma filmagem no interior, misturado ao dia a dia de Dona Sol, que vê sua rotina invadida, pelo pessoal do cinema. A atriz Maria do Carmo que interpreta a protagonista se mostrou uma excelente atriz e é mãe do diretor, que depois de muitas tentativas frustradas não encontrou ninguém para o papel. Sorte dele, pois o filme que vem conquistando vários festivais recebeu os prêmios de: melhor filme, direção e direção de arte, pelo júri oficial. “Mainha ficou muito próxima a mim. Ela até me expulsou do set”, disse o diretor Rafael Anaroli, durante a coletiva super descontraída, com o diretor.
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O último dia dos curtas pernambucanos do Cine PE 2023 fechou com “Coração da Mata”, de Camila Martins, “Alto do Céu”, do já veterano Léo Tabosa e “Filhos Ausentes”, de Jansen Barros e Virginia Guimarães. E foi um ótimo encerramento com temas sobre mulheres que vão desde o Maracatu 100% feminino da Zona da Mata, passando pela religião, como única forma de resolução de uma mulher em depressão e que se sente rejeitada pelo marido, encerrando com os dilemas de uma mulher que volta para sua terra, para se despedir de seu pai.
Desses três filmes “Coração da Mata” levou os Calungas de melhor fotografia e montagem. E “Alto do Céu” foi premiado com o Calunga de melhor atriz, para Geraldine Maranhão que está ótima em cena, e sem dar spoiler, pois o final é de arrepiar para os católicos mais radicais, e eu diria até para os menos radicais.
Na categoria da Mostra Competitiva Nacionais o primeiro dia contou com o curta catarinense “Eles Não São Estrangeiros”, onde o cineasta coloca moradores muitos desses, descendentes de europeus transformados os em Zumbis, ou seja, é uma crítica do diretor, do que acontece com a elite, no estado catarinense. Já a animação “Quintal’ vinda da Bahia é um projeto autoral do Núcleo de animação da Escola de Belas Artes da UFBA. Inspirado na obra de Manoel de Barros, o curta de forma muito lenta e observacional, narra a história da amizade entre uma menina e um passarinho que juntos, tentam se libertar de suas limitações, fora de seus espaços.
“Essa Terra Não é Meu Quilombo” da cineasta Rayane Penha do Amapá representou bem a região norte no documentário que traz depoimentos de três mulheres quilombolas urbanas, compartilhando suas experiências de trabalho na agricultura tão rica e diversificada, do nosso país.
Em tom de ficção, porém muito baseado na sua própria história, “Moventes” do Rio Grande Norte de Jefferson Cabral mostra a migração de uma família de Natal para São Paulo. Durante os debates sobre o filme, o diretor conta que a família de seu pai foi se mudando na década de 70, para a capital paulista, em busca de um sonho e de melhores condições. E no filme, ele mostra essas idas e vindas da família, que acabaram voltando em imagens fotográficas, dessa que foi uma experiência dele de criança.
“O pensamento principal dessa imagem em estática de observar fotografias e que é algo meio para mim que ainda se repete, com outras famílias passando por esse processo de migração, mesmo com suas particularidades, vem com esse interesse de que essa história possa ser universal e temporal”, disse Jefferson sobre o processo de montagem de seu filme. Entre os premiados, Moventes foi escolhido como melhor filme nacional, pelo júri da Abraccine- Associação Brasileira de Críticos de Cinema.
Na segunda noite foram exibidos curtas com temas mais engajados e polêmicos. Os três filmes foram: “Procuro Teu Auxílio Para Enterrar um Homem”, do capixaba Anderson Bardot, “Instante”, de Paola Veiga, de Brasília, e a animação “Cadim” que inclusive esteve recentemente eu havia assistido, na seleção das mostras competitivas, do Curta Kinoforum. O primeiro curta aborda a questão da mulher trans em um corpo indígena, em tempos imperiais. Já “Instante” fala sobre o aborto e “Cadim” com um tom mais leve, porém sem deixar questões importantes de lado, traz o andarilho seu Zé que caminha em meio a terras degradadas, em busca de uma vida melhor, ao lado de seu inseparável pássaro. Quando encontra terras saudáveis é ameaçado por fazendeiros e ainda tem que salvar seu companheiro, que acabou desaparecendo.
O penúltimo dia do Cine PE 2023 contou com as exibições do curta paraibano “Céu”, de Valtyennya Pires, “Única Saída”, de Sérgio Malheiros do Rio, a animação pernambucana que encantou o público “Eu Nunca Contei a Ninguém”, de Douglas Duan e “Fossilização”, de João Folharini também do Rio de Janeiro. O primeiro curta fala sobre o feminicídio que tirou a vida da louceira Maria do Céu, em 2013. Durante o documentário há depoimentos de mulheres que fazem parte da Comunidade Quilombola Serra do Talhado Urbano, falando sobre a vítima, que deixou um legado na região de Santa Luiza.
Em “Única Saída”, curta que tem circulado bem em alguns festivais pelo Brasil, Sérgio Malheiros traz à tona a questão das armas em uma trama de envolve religião e traição. Esse é outro filme, que não posso dar spoiler. O curta levou o Calunga, de melhora ator para Edmilson Filho.
E a melhor animação ficou para esse penúltimo dia, das mostras competitivas. Sem dúvida “Eu Nunca Contei a Ninguém” conseguiu arrebatar e emocionar, até corações de pedra. O filme em que segundo o diretor passou noites fazendo na guerrilha trata sobre a perda de entes queridos. No caso aqui, a relação entre um neto e um avó que está hospitalizado. E, baseado no avó do diretor. O curta levou vários prêmios que foram: melhor filme, direção, direção de arte e trilha sonora, Além do júri oficial o filme coincidentemente, levou o prêmio Canal Brasil de Curtas.
“Muito obrigada ao Cine PE 2023 e muito obrigada a todo o público que vibrou com a a gente, no dia da nossa sessão. Somos um grupo de artistas locais que fizemos esse filme para experimentar e nem imaginávamos que iriamos colocá-lo em festivais. E queria dedicar esse filme ao seu avó Duan”, disse a produtora Gabriela Melo muito emocionada, ao receber ao lado da equipe, o prêmio de melhor filme.
“Fossilização”, outro curta que aborda a questão relação avó e neta, também fala sobre a perda, porém sobre a morte da mãe da protagonista mirim interpretada por Ju Colombo, que venceu o Calunga de melhor atriz.
A última sessão de curtas nacionais encerrou com “Virtual Genesis”, de Arthur B. Senra de Brasília, que levanta a questão da criação de um mundo, pela inteligência artificial. Já o segundo curta “Solidariedade”, da cineasta Fernanda Pessoa, de São Paulo, acompanha os as manifestações contra o governo Bolsonaro, em 2021, e foi todo filmado em super 8. A cineasta inclusive tem um longa que gosto muito que é Histórias que Nosso Cinema(não) Contava.
A Mostra Paralela, de curadoria formada do Edu Fernandes (desde 2018 no Cine PE) e Nayara Reynaud, procurou buscar um espaço de exibição de filmes que acabaram não entrando nas mostras competitivas, porém tinham muito potencial, para serem mostrados. Então em uma tarde entre debates, coletivas e sessões noturnas foram exibidos sete curtas, que dialogavam com o cinema, contemplando diversas regiões do Brasil. Os curtas apresentados foram: “A Última Vez que Saímos do Armário”, ficção de Bruno Tadeu, de Minas Gerais; “Apocalypses Repentinos” de Pedrokas; e o documentário Bizzaros Aúdios, de Diego Akel, ambos do Ceará; o ótimo também documentário Geração Cinemateca, de Miriam Karam, do Paraná; “Papel de Parede”, de Duda Cavalcanti de Pernambuco, onde a jovem diretora traz três importantes cineastas pernambucanas de gerações diferentes que são: Katia Mesel, Renata Pinheiro e Alice Gouveia; e para encerrar “Quem Me Quer?” documentário também de Pernambuco, onde se retratam memórias do Cine São Luiz lendário cinema de rua do Recife, fechado desde julho de 2022.