Direção: Maya Da-Rin
Pesquisa: Daniel Bueno, Geraldo Pereira, Luiza Leite, Maya Da-Rin e Pedro Cesarino
Fotografia e câmera: Pedro Urano
Som direto: Bruno Vasconcelos / Altyr Pereira
Montagem: Karen Akerman / Maya Da-Rin / Joaquim Castro
Desenho de som e música original: Edson Secco
Produção: Sandra Werneck
Diretora assistente: Luiza Leite
Produção executiva: Maya Da-Rin
Direção de produção: Mara Junqueira
Realização: Cineluz
Coprodução: Synapse e sb tv Programming
Produtores associados: Labocine, Alice Filmes
Apoio cultural: CTAv, Quanta, Centro de Trabalho Indígena, Prefeitura de Tabatinga, Rico Linhas Aéreas, Bureau Cinema e Vídeo
Duração: 75 minutos
País: Brasil
Ano: 2009
COTAÇÃO: MUITO BOM
A opinião
A Constituição Federal, a carta magna absoluta de um país, assegura direitos e deveres dos cidadãos, indivíduos engajados na vivência de características inerentes a um mesmo povo. Todos possuem a isonomia da lei, tratando os iguais como iguais e os desiguais como desiguais. Isso explicita que o documento oficial máximo cria diferenças entre os participantes de uma nação. O direito à propriedade é um deles, expresso no artigo sexto e espalhado por todo o texto. Entenda-se a do Brasil. A Constituição fornece garantia aos índios, pela figura da Fundação Nacional do Índio, como podemos exemplificar. O querer dessas pessoas, indecisos na definição da própria estrutura e governo, é a terra. O poder de sobreviver plantando e colhendo seus próprios alimentos, e acima de tudo um lugar para dormir, longe das forças da natureza.
Na fronteira tríplice entre Brasil, Colômbia e Peru, as cidades gêmeas Letícia e Tabatinga formam uma ilha urbana cercada pela imensa floresta amazônica. As delimitações territoriais são muitas vezes encobertas pela densa vegetação e as fronteiras se confundem nos corpos e rostos de seus moradores. Terras acompanha o ritmo deste lugar de encontro e passagem, aproximando-se do cotidiano de seus habitantes.
O longa de Maya Da-Rin conduz pelo caminho do sólido, da base e do solo para explicitar as idéias. A maioria na visão dos próprios moradores, divididos em fronteiras com o Brasil, Colômbia e Peru. A camera sustenta ao limite os closes em pedaços de terra, um tronco de árvore retorcido e insetos. Enfim, tudo o que se pode encontrar objetivado em detalhes. Os focos e os desfoques, não simétricos, são recorrentes para extrapolar a imagem ao espectador. Se vê o mínimo, o necessário, a parte, filosofando, com a poesia cinematográfica do natura e do seco, o material humano bruto.
Não há maquiagem no que tem que ser visto. Mostra-se em sua totalidade os elementos básicos e descritivos de cada um. Infere-se que a máxima popular “Somos grãos de terra” está sendo utilizado sutilmente e com narrativa de espera. Uma espera normal, sem manipulações. Assim, transforma-se em um projeto pouco documental, porém com uma visão ficcional da própria realidade apresentada. Retrata-se um lugar. A câmera participa, cúmplice e interativa.
As fronteiras imaginárias expõe o paradoxo das próprias regras e delimitações. Até que ponto é um lugar ou outro? Como se divide nacionalidades? Matérias da lei em formais? A linha tênue de um confunde-se com a do outro. Para um indivíduo que mora nesta parte da fronteira, ser brasileiro ou peruano é a limitação de direitos, deveres e prepotência social. Mas para os próprios não muda em nada. Conserva-se a desigualdade social. “São fronteiras imaginárias, que servem para tirar a liberdade”, diz-se. Um colombiano complementa “Isso não permite o meu desenvolvimento ao sítio brasileiro”.
As imagens aéreas distanciam para mostrar a imensidão da Terra, em uma narrativa segura e determinada do que se deseja transpassar. As imagens ora atravessam outras imagens, ora detalha o pensamento que será dito na próxima frase. Espera-se. Com isso, observa-se uma agilidade esperada. O filme extrai cenas cruas e naturais, de forma pura, sem a ingenuidade clichê que se costuma utilizar. As conversas (monólogos pensantes subjetivos) abordam esses lugares limítrofes como fáceis para a entrada em outros países. A imensidão contrastada continua. Um barquinho passando em um plano aberto motiva o questionamento existencial: somos nada perante o todo. Contempla e capta-se instantes fotográficos em movimentos. Um exercício técnico.
“Hoje há muito egoísmo. Antigamente na tribo era tudo compartilhado”, diz-se. Entendemos que o querer real é o retorno da simplicidade. A vida de agora apresenta-se complexa demais para esses índios. Lavar roupa e louça no rio, a rede, crianças cantando “Cristo salva” e assistindo televisão sem preocupações maiores. Pode não haver comida, mas a figura televisa é presente. “A nossa terra não vai dar mais pra gente”, resigna-se. Entre “terra tesouro”, “comunidade”, a idéia de se formar uma nação é defendida pelo sentimento de união. “O próprio branco que nos fez assim”, sobre a colonização forçada.
A camera, conceitual e existencialista, busca os rostos que compõem a população de um país. “Antigamente, eu trabalhava sozinha, não precisava de governo”, sempre recorrendo-se ao passado. Civilizar indígenas, introduzindo para eles a nossa cultura é prejudicial ou necessário? Viver com remédios industrializados resolve mais que os curandeiros? Correr, como fazemos, com nossos fones de ouvido, esbarrando no próximo sem saber os nomes, isso é desenvolvimento? Ou regressão futurista? O questionamento levanta a bandeira do que é bom para um talvez não seja para o outro.
Com produção de Sandra Weneck, as histórias deixam-se contar por um melodrama ingênuo e vitimado. “Sofremos influência dos brancos”, repetem o mesmo discurso, que é massificado pelas próprias repetições e imagens e de idéias, assim o longa documentário perde ritmo e cansa. O ponto forte é a levantada, quando apresenta novos elementos. “De que adianta colonizar Júpiter ou Marte, se não sabemos quem somos nós”, filosofa-se em uma frase incrível que é complementada por um fade (supressão da imagem) branco, inferindo o desaparecimento. Só por essa cena, o filme já vale o ingresso. Vale a pena ser visto! Incita o olhar interno (reflexivo) pela observação do outro. Recomendo.
Prêmio “Las Cámaras de La Diversidad”, 25º Festival Internacional de Cine de Guadalajara (México); Prêmio Especial do Júri e Melhor Longa, Júri ABCV, Panorama Internacional Coisa de Cinema (Salvador).
Outras participações: Festival de Locarno (Suíça), Festival de Leipzig (Alemanha), além de outros dez festivais no mundo e Brasil.
Nasceu em 1979 no Rio de Janeiro. Formou-se em Desenho Industrial na PUC-RJ. Trabalha como diretora, montadora e assistente de direção desde 1997. Dirigiu os documentários em curta-metragem E agora José? (2002) e Margem (2007). Terras é seu primeiro documentário longa-metragem.
“Eu estava interessada nos espaços de transição e confluência que são as fronteiras, onde as coisas se misturam e não podem ser tão facilmente reconhecidas e designadas. Isso foi em 2005, quando o filme começou a tomar corpo e passei dois meses vivendo em Letícia, cidade gêmea de Tabatinga na fronteira entre o Brasil, a Colômbia e o Peru. Durante esse período de pesquisa busquei me aproximar do ritmo e da atmosfera daquele lugar. Comecei a me interessar também por ser ali uma estrangeira, viajante, com o olhar particular que esse estado nos proporciona. Foi também muito impactante perceber tudo o que está se passando hoje na Amazônia e que das outras regiões do país nós não temos idéia. A Amazônia para nós continua sendo aquele paraíso distante que está sendo destruído por enormes queimadas. Isso está realmente acontecendo mas junto a isso existe um intercâmbio cultural gigantesco, uma enorme troca entre as cidades e a floresta, os povos nativos se apropriando de elementos da cultura não-índia para resignificá-los a sua maneira. Durante a realização do filme, percebemos que estávamos frente a um processo de reinvenção cultural muito potente, que vem encontrando outras formulações e fabulações para pensar a Amazônia atual”.