Terra Devastada
Um faroeste à brasileira
Por Clarissa Kuschnir
Mostra de Cinema de São Paulo 2025
O maranhense Frederico Machado é, na minha opinião, um dos mais profícuos cineastas do cinema autoral brasileiro contemporâneo. Para quem acompanha sua carreira há um bom tempo como eu, sabe o quanto ele domina a técnica cinematográfica em suas obras, sempre muito atemporais e viscerais repletas de signos e personagens complexos. Em “Terra Devastada”, seu mais recente longa, que foi exibido na 49ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, traz uma personagem complexa, que vai direto ao ponto em seu objetivo, neste que é um belo faroeste brasileiro, no interior do Maranhão. Desde a cena inicial até o fechamento, o filme se compõe de uma forma muito redonda que faz com que a gente torça pela personagem principal que tem como objetivo: vingar a morte de sua família. Talvez o que mais se assemelha aos outros trabalhos de Frederico seja o tempo mais lento, que acompanha o local que parece ter parado no tempo. O único barulho de modernidade ali é o da moto usada por Glauber (Vinicius Bustami), filho do coronel Antônio e da ótima música da trilha sonora da música brega, que acompanha e até combina com algumas cenas do filme na boate. E a música ali é um dos complementos essenciais dentro do contexto da história.
E esse cinema me fascina pelo modo de condução e da apresentação de cada um dos seus personagens. Ali, em que “Terra Devastada” se passa, é uma terra sem lei. Manda quem pode e obedece quem tem juízo. E se não tem juízo, a bala corre solta. O mandatário de todos os crimes é o coronel Antônio, já citado acima, interpretado pelo ator paraibano Buda Lira, sempre certeiro em seus papéis. E para tentar acabar com a hegemonia de Antônio chega na pequena cidade o desconhecido José (Bruno Goya) que ninguém sabe de onde veio e para que veio. Ele só diz que é um viajante sem rumo e do mundo e que precisa de um emprego para sobreviver. Porém acaba se envolvendo emocionalmente e sem querer com a bela e sedutora Maria (Áurea Maranhão) uma dançarina e prostituta da única boate da cidade. Inclusive a presença de Maria é sempre um colírio que hipnotiza o espectador com sua sensualidade apaixonante e com um passado sofrido, sendo mãe muita nova com Glauber, e amante de Antônio que vê seu filho como um nada, assim como sua avó Graça, interpretada brilhantemente por Zezita Matos.
A família ainda se complementa com a irmã de Glauber, a frágil Carminha. Ou seja, são filhos inúteis aos olhos do pai e da avó matriarca. Os únicos homens em que o Coronel Antônio confia são em seus capangas Chico e Romão (interpretados por Auro Juriciê e Walter Sá,) que sempre acompanharam o coronel em suas matanças e posses das terras. E logo, em uma bonita cena dos dois deitados na cama falando sobre a vida, descobrimos que a dupla é um casal, em um tempo em que o machismo corre solto. Em um lugar e em um tempo em que o homem tinha que ser macho. Mas isso é um detalhe que para mim me soa como um tom mais humanizado a esses personagens com tantas histórias de mortes nas costas. Ninguém é santo, mas existe vida dentro daquele mundo tão cruel deste esquecido lugar no mundo.
Agora falando da linguagem cinematográfica as cenas são lindas, a fotografia do sertão e da luz de velas são naturais e os enquadramentos perfeitos, se complementam nesta obra que me pegou. Eu gosto de histórias do interior, e quando bem contadas, e bem dirigidas me fazem sair do cinema feliz pelo nosso cinema, fora dos grandes centros. Ali eu vejo a potência do nosso cinema. Até as cenas de sexo são bem dirigidas que segundo a atriz Áurea Maranhão, presente na sessão, Frederico Machado teve todo um cuidado nos set para dirigi-las. E eu torço para que filmes como “Terra Devastada” possa chegar em mais telas para que se apresente um Brasil, que muitos não imaginam. E mesmo sendo um filme atemporal, sabemos que mesmo nos dias atuais, essa luta pelas terras, ainda não acabaram.


