Ficha Técnica
Direção: Silvio Tendler
Roteiro: Silvio Tindler
Narradores: Betty Goulart, Christiane Torloni, José Wilker, Marcos França
Fotografia: André Carvalheira
Música: Fernado Brandt, Lucas Marcier
Edição: Zé Pedro Tafner, Rita Carvana, Bruno Neder e Bernardo Neder
Distribuidora: Downtown Filmes
Estúdio: Caliban Produções Cinematográficas
Duração: 90 minutos
País: Brasil
Ano: 2010
COTAÇÃO: MUITO BOM
A opinião
Quando a política democrática no Brasil é mencionada, percebemos que a mesma encontra-se num quadro recente. As articulações, com o nome de Diretas Já, começaram em 1983. Traçando um paralelo com a era atual, o ano de 2011, o povo brasileiro obtém a informação que a democracia possui apenas vinte e oito anos. Se continuarmos no paralelismo, o direcionando a características da idade de um indivíduo social, nos damos conta do quanto o nosso exercício de cidadania eleitoral necessita aprender. Uma pessoa com 28 anos, ainda absorve conhecimento e experimentava – explorando – o mundo ao redor. Como um processo natural, há inúmeros estágios: nascimento, aprendizagem do andar, a ter voz, infância, e adolescência, chegando ao início da fase adulta. Nesta trajetória, muitos adjetivos são vividos: uma passionalidade visceral, sem a real percepção do medo e ou de que algo dará errado. A invencibilidade e a perfeição são usadas como base definidora. A construção busca a rapidez do resultado, por causa do passado sombrio e devastador. A ditadura ainda é presente, pululando a mente e coração dos que sofreram com isso. O documentarista e historiador Silvio Tendler (de “Utopia e Barbárie” e um dos diretores da série televisiva “Anos Rebeldes”, inspirada nos livros “1968 – O Ano que Não Terminou”, de Zuenir Ventura, e “Os Carbonários”, de Alfredo Sirkis), um dos citados anteriormente, realiza com seus filmes um resgate, logicamente unilateral e “direitista”, da política brasileira. Conhecido como “o cineasta dos vencidos” ou “o cineasta dos sonhos interrompidos”, aborda, basicamente e preferencialmente, personalidades políticas, como Getúlio Vargas, João Goulart “Jango”, Carlos Marighella, Juscelino Kubitschek, Milton Santos, destoando quando faz “O Mundo Mágico dos Trapalhões”, que não deixa de ser político, devido ao humor pastelão e julgador da própria sociedade. Em seu mais recente documentário, Silvio emerge a figura de Tancredo Neves, o “Salvador da Pátria”, por lutar pela democracia, votada pelo povo a fim de escolher os governantes. Tancredo era advogado; jornalista; empresário; e político brasileiro – mineiro de São João Del Rei.
No filme em questão, a apresentação da sua vida é feita por narração institucional e histórica, de Betty Goulart, Christiane Torloni, José Wilker, Marcos França, com inúmeras imagens e fotos de arquivo, que foram colecionadas por anos a fio por Silvio. “Tancredo – A Travessia”, título utilizado tanto para indicar a trajetória política, de um campo eleitoral indireto ao direto, quanto a sua morte em si, que desperta mistérios e planos mirabolantes de envenenamento, não provado. O documentarista não segue por essa linha, deseja apenas criar uma aureola de homenagem à figura deste “estadista”, usando depoimentos – e lembranças curiosas – de políticos, artistas e familiares, como Fernando Henrique Cardoso; José Serra; o neto Aécio Neves; o sobrinho Francisco Dornelles; Fafá de Belém; Milton Nascimento; Antônio Britto, porta-voz que comunica o falecimento; Pedro Simon; José Sarney (o sucessor); Miro Teixeira; Magalhães Pinto; Cristovam Buarque; Maitê Proença; Eduardo Suplicy. A narrativa é clássica, didática e padronizada do gênero documental, inovando pela inserção simulada de curta-metragem ficcional, sobre os últimos passos de Getúlio, dirigido por Aderbal Freire Filho, e interpretado por atores famosos. A intenção foi ilustrar o papel de Tancredo como Ministro da Justiça neste período. O início de “Tancredo – A Travessia” mostra a morte do protagonista, gerando manifestações sentimentais, ao som do Hino Nacional, cantado por Fafá de Belém, que esteve presente e ativa no processo democrático. É inerente na política, a massificação de frases de efeito. Aqui, não poderia ser diferente. “Saio da vida para entrar na história”, dizia Getúlio.
“A política é engraçada”, diz Tancredo, em uma das muitas entrevistas – e discursos, que recheiam o filme. O efeito reverbera na população. “Prefiro morrer e ele ficar vivo”, diz-se. Podemos definir a nova obra de Silvio pelas palavras “Honestidade e ação”, utilizadas na campanha ao Governo de Minas Gerais do nosso personagem principal. Tancredo, que não chegou a tomar posse do cargo de Presidente da República, tinha um discurso perspicaz, sagaz, econômico, “dizia tudo com poucas palavras”, “não falava além da conta” e “não perdia uma piada”. O diálogo transpassa exatamente o tom que a política usa: um discurso melodramático e tragicômico, ora complementado por música de Beth Carvalho, ora por Cazuza, ora por Milton Nascimento em “Coração de Estudante”, que virou um hino ao “poder” de decisão do povo. Tancredo conquistou os militares, a “esquerda”, o povo, os artistas e os jornalistas com seu jeito mineiro de ser, aos poucos, com calma, entendendo a necessidade de fazer o jogo dos interesses. “Se ele é mineiro, é radical. Tenho o dever de correr riscos”, dizia enquanto concorria com Paulo Maluf, contrário ao movimento de Diretas Já. “Esperança, Pátria e Povo, palavras gastas”, finaliza-se humanizando limitações do diálogo. Concluindo, um documentário que resgata a nossa história recente e pré-adulta. Criticamos, porque é o nosso dever, lutamos, porque é a nossa necessidade. Ser passional é uma característica intrínseca. O filme de Silvio capta exatamente o tom de se estar com 28 anos. Vale muito a pena ser visto. Recomendo por examinar ligações com Getúlio Vargas, a quem apoiou até o fim; suas gestões para permitir a posse de João Goulart, no clima instável após a renúncia de Jânio Quadros; e também seu trânsito junto ao marechal Humberto de Alencar Castello Branco, o primeiro presidente militar. Da mesma forma, traça-se sua importância na tarefa de organizar a oposição ao regime militar, como um dos fundadores do MDB e como um dos participantes da Campanha das Diretas, ao lado de Ulysses Guimarães. Exibido no Festival É Tudo Verdade 2011.
Foto: Gabriela Nehring
O Diretor
Silvio Tendler (nascido em 1950) é um documentarista brasileiro. Conhecido como “o cineasta dos vencidos” ou “o cineasta dos sonhos interrompidos” por abordar em seus filmes personalidades como Jango, JK, Carlos Marighella, entre outros, Silvio já produziu cerca de 40 filmes, entre curtas, médias e longas-metragens. Em 1981 fundou a Caliban Produções Cinematograficas Ltda., produtora direcionada para biografias históricas de cunho social.
Seus filmes são resgates da memória brasileira e inspiram seus espectadores a reflexão: sobre os rumos do Brasil, da América Latina e do mundo em desenvolvimento.
É dono de um jeito peculiar de fazer cinema. Entre a gestação de uma ideia, sua execução e finalização, muitas vezes contam-se décadas. Tem sempre vários projetos e vai tocando todos ao mesmo tempo. Tendler é detentor das três maiores bilheterias de documentários na história do cinema brasileiro: “O Mundo Mágico dos Trapalhões” (1 milhão e 800 mil espectadores), “Jango” (1 milhão de espectadores) e “Anos JK” (800 mil espectadores). Seus filmes “Jango” e “Anos JK”, apesar de falarem sobre o golpe militar de 1964 e a democracia, foram lançados ainda em plena ditadura militar, em 1984 e 1980, respectivamente. A partir de então, continuou produzindo uma série de documentários que conquistaram diversos prêmios de público e crítica, divulgando a cultura e a história brasileira para o resto do mundo. Em “Encontro com Milton Santos ou O Mundo Global Visto do Lado de Cá”, ganhou o Prêmio de Melhor Filme do Júri Popular na última edição do Festival de Brasília.
Em 2005 recebeu o Prêmio Salvador Allende no Festival de Trieste, Itália, pelo conjunto da obra. Em 2008, foi homenageado no X Festival de Cinema Brasileiro em Paris, com uma retrospectiva de seus filmes. Ainda neste ano, foi condecorado com a Medalha Tiradentes, da Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro, por relevantes serviços prestados à causa pública do Estado. Em 2009 lançou “Utopia e Barbárie”, filme que levou 19 anos construindo, filmado em mais de 13 países, e considerado pelo jornalista Mauro Santayanna uma obra-prima. Só em 2011 estreou quatro produções: – “O Veneno Está Na Mesa” (40 min), documentário que alerta sobre os riscos dos agrotóxicos na alimentação, disponível no Youtube. – “Matzeiva Juliano Mer-Khamis”, uma lápide eletrônica em homenagem ao ator anticonformista e pacifista libertário, que pagou com a vida por sua luta por direitos iguais para palestinos e judeus. Também pode ser conferido gratuitamente no Youtube. – “Tancredo, a Travessia”, longa que mostra a trajetória de Tancredo Neves (1910-1985) e compõe trilogia com os já lançados “Jango” e “Anos JK”. – “Giap, Memórias Centenárias da Resistência”, uma homenagem ao centenário do general Vo Nguyan Giap.
LEIA: “Utopia e Barbárie”
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Nota do Crítico
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