Curta Paranagua 2024

Suzume

Uma jornada de portas metafóricas e ciclos épicos

Por Fabricio Duque

Durante o Festival de Berlim 2023

Suzume

Um dos pontos altos do Festival de Berlim é quando “quebra a bolha” e seleciona animações à lista de concorrentes oficiais ao Urso de Ouro. A edição de 2023 transcendeu toda essa autoralidade ao trazer o longa-metragem “Suzume”, um anime japonês (que muito se assemelha a um mangá), de classificação Shoujo, que além de se definir como um meio animado, de traço que potencializa as expressões, e que além de intensificar as emoções das personagens: olhos grandes; brilho e cor; onomatopeias, ainda se comporta como um específico direcionamento ao público feminino (mesmo que a personagem aparente um visual andrógeno) por tratar o tema dos “ritos de passagem” com os dramas e preocupações típicas das meninas durante a adolescência. 

Realizado pelo japonês Makoto Shinkai (cultuado por “Your Name”), nascido em Koumi, Nagano, “Suzume” inspirou-se livremente no conto “Super-Frog Saves Tokyo”, no romance “Kafka on the Shore” ambos de Haruki Murakami, e no filme “O Serviço de Entregas da Kiki” (1989, dirigido por Hayao Miyazaki, do Studio Ghibli), corrobora a simplicidade estrutural da trama: uma aventura de animado realismo fantástico. Sua narrativa vai direto ao ponto. Uma garota em perigo que se depara com “vermes” entidades maléficas de outro mundo encantado ao encontrar o “crush bonito” amor de sua vida (também andrógeno) e um portal tridimensional ao mesmo tempo, em um bairro “cidade fantasma” com “porta secreta”. Entre a poesia de soltar a bicicleta em uma descida e reconfigurar a rota do caminho. “Suzume” nos apresenta um manancial fabular de metáforas existencialistas: a ópera, o bebê grande, a enfermeira, gato falante (inspirado na lenda Namazu),  a minhoca (representa energia da Terra, que não pode ser controlada por humanos), jazz. Tudo aqui representa simbolismos que figuram referências, como por exemplo, “Alice no País das Maravilhas”, sem contudo a fantasia de cunho conservador e familiar, complementado pelos terremotos gerados desse desalinhamento do Universo. 

Como foi dito, “Suzume” é uma obra sobre amadurecer, mas aqui a mensagem desse crescimento não quer suavizar a percepção do espectador, ainda que pelo gênero da animação, e sim apresentar pistas entre confrontos “maldições” e “conexões” do desconhecido, que ora encontra o frio e o quente, no meio dos vívidos e reais pesadelos. Esse gato personagem pode ser a “lebre em forma de cordeiro”. Um demônio “fofo” (famoso inclusive no Instagram, que muito lembra o Gollum, de “O Senhor dos Anéis”) que tem como única finalidade destruir o mundo. Até o monstro, se analisarmos com olhar mais maldoso, pode simbolizar a figura de um pênis gigante. De uma comida decorada para crianças para a responsabilidade de salvar a Humanidade, passando por “textões” de sua mãe preocupada e câmera subjetiva. Saltos. Saltar no vazio. Usar sapatos plataforma. Abandonar a cadeira de bebê. Aprender a lidar com robôs, os novos seres humanos, como a Alexa, por exemplo. E comer no McDonalds. 

“Suzume” é um conceito filosófico, de abordagem complexa, sem o didatismo dos clichês e óbvios gatilhos comuns. De psicologia terapêutica pela vivência. De destruição da pureza. De perda da ingenuidade aos dezessete anos. De navegação à liberdade. O aprendizado é estar no campo da batalha. Encontrar os perigos da cobra. “Esse mundo não é para os comuns, até mesmo depois”, diz-se antes de nos preparamos para a “guerra final”, musicada e épica, “o tempo de um cigarro”. Assim, desejos, verdades, chantagens emocionais, corpos possuídos, tudo é uma jornada a reencontrar a “coisa mais importante da infância” e partir para recuperar o “amor” que a dará futuro. Nós somos conduzidos a sentir uma aventura, de fantasia metafórica a nossa vida presente. 

Qual a mensagem dessa parábola? “Suzume” quer nos ensinar que, seguindo a tradição japonesa, nós não podemos fugir de nosso destino, porque já está escrito. Também não podemos deixar de crescer e viver como Peter Pan para sempre. Em comunicado oficial para divulgar o longa-metragem, produzido pela CoMix Wave Films e distribuído pela Toho, com o selo internacional da Sony Pictures, além de criar uma ação no shopping center The Mall em Berlim, o diretor Makoto Shinkai disse: “Precisamos pensar em como fechar as muitas “Portas do Desastre” que deixamos abertas em nossas vidas”. Sim, mais simbolismos. Portas que fechamos e as que deixamos abertas, com pendências que ainda não resolvemos. O realizador complementou que “no Japão é habitual realizar um jichin-sai ou cerimônia de inauguração antes do início da construção de um novo prédio ou casa mas não fazemos nada quando fechamos elas”, sobre o “tempo com você”, que cada um precisa usar de forma individual, única e intransferível, e que a “história focasse no luto por um lugar, então ele decidiu que o filme seria uma “história de companheirismo” entre uma garota e uma cadeira para mantê-lo divertido.”

3 Nota do Crítico 5 1

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