Super/Man: A História de Christopher Reeve
Entre dois mundos: a comoção do voo e a realidade do pouso
Por Fabricio Duque
Festival do Rio 2024
Christopher Reeve viveu uma outra época do mundo, em que se buscava a máxima da esperança pela contradição pragmática da fantasia. As revistas de quadrinhos em desenhos traziam possibilidades de salvação pela aparição de alienígenas, seres “quase” indestrutíveis, que advinham de outro planeta, com o único propósito altruísta de ajudar incondicional ao outro (sem esperar nada em troca) e não intervir no caminho que já estava escrito a cada um dos humanos (apenas “dar uma mãozinha”; e “mostrar o caminho” e uma “verdade” mais definitiva pautada no genérico). Esse passado clamava por um herói, uma figura que colocasse tudo em ordem, que resolvesse todo o caos criado por esses próprios humanos “inconsequentes”. Então, veio voando o Superman que em um primeiro momento, por desconhecimento das pessoas, o chamava de homem super, mais parecido como um “pássaro”, mais próximo de um “avião”. Sim, esse super-herói é a metáfora perfeita para explicar as limitações de um povo “ignorante” e “vulnerável”. Nesse mundo de projeção-salvação mais fantasiosa, os vilões eram tratados como “psicopatas” e “assassinos”, mas talvez a ideia primal seja a de serem mesmo desistentes da própria raça.
Em 1978, chegou aos cinemas “Superman – O Filme“, com direção de Richard Donner. Christopher Reeve, o protagonista, não só personificou a personagem nas telas como representou uma tradução de uma era, a interpretando quase que de forma antropológica. Sim, mas precisamos relevar que tudo o que vemos lá trás é datado, porque as dificuldades do mundo (e as “invenções” das pessoas) eram menos complexas. Parece que o entendimento desse antes era mais básico, dentro das questões universais mais identificáveis e mais transparentes. Sim, tudo mudou. Hoje até mesmo a forma do cinema foi transmutada em produzir obras com o menor tempo possível de realização.
Sim, inevitavelmente, “Superman” foi criado como uma referência a Jesus Cristo por ter se “doado” completamente para os outros. Esse “Messias”, numa versão mais “pop-moderna, entendeu as vulnerabilidades e egoísmos do povo terráqueo. A “prova viva” é que a vida imita a arte, “fazendo” que Christopher Reeve sofresse seus propósitos por desígnios do “Pai”. Acidentou-se ao cair do cavalo e ficou tetraplégico. Como isso pode ter acontecido? Se Christopher era o padrão da imagem da família tradicional. Era bonito de forma másculo, com sua “pele de bebê”, olhos azuis, corpo torneado, um romântico inveterado que fez de tudo para proteger sua mulher. Ele também representava a ideia de que homem cuida da mulher. Ainda que “O Superman – O Filme” trouxesse um dos primeiros movimentos feministas, de que Louis Lane não era frágil, pelo contrário, sua coragem a coloca em risco.
E eis que chega a “versão definitiva” de “Superman”. Exibido no Festival do Rio 2024, “Super/Man: A História de Christopher Reeve”, que inclusive foi uma das novidades anunciadas por Ilda Santiago como um “esquenta” (para criar paralelo com a reestreia de “Superman – O Filme” (em cópia restaurada em 4K), é um documentário sobre a psicologia popular da força. De que nossa mente consegue nos curar pelo querer absoluto, mas tem que querer e muito. Quando o primeiro Superman foi lançado e assim Christopher Reeve projetado, estávamos quase na mudança da década setentista para oitentista. Tudo era tão intenso que se vivia 100 anos em 10 anos. Todos eram menos protocolares e mais acionados. Um parênteses sobre crônicas cotidianas deste novo mundo. Assisti ao filme em uma cabine de imprensa no Shopping Downtown Barra da Tijuca. E assim, a melhor opção de transporte é o metrô. Mas no dia alguma coisa aconteceu. Os intervalos de tempo entre as estações estavam demorando mundo. Pois é! Naquele momento pensei: “Onde está um possível novo Superman? Ou Será que em tempos atuais não há mais espaço para essas projeções mais incríveis?
O documentário “Super/Man: A História de Christopher Reeve”, produzido pela HBO e com a Warner por trás de tudo, sobre esse ator que interpretou um dos seres mais fortes da galáxia, tem narrativa clássica: imagens de arquivo, entrevistas talking head (memórias emocionadas) e cenas-alívios de metafísica artístico-conceitual. Mas há um extra bem marcante: a potencialização de um tom mais emocional, cujo artifício causa o efeito do excesso de sentimentalismo manipulado. Sim, precisamos levar em conta que é um filme de um americano feito sobre um americano contando a história pela estrutura americana para americanos. Sim, é o que parece. “Super/Man: A História de Christopher Reeve”, já no título indica o caminho que seguirá: separar a personagem do homem. Um herói advindo da fantasia projetada de um quadrinho versus um homem que interpretou essa personagem no cinema e que vulnerável como todo e qualquer humano sofreu as consequências de um acidente (aqui sutilmente o documentário dá sinais – Christopher já tinha sido alertado com uma alergia à cavalo – sim, o Universo organizou tudo, mas nós nunca respeitamos suas “regras”).
A narrativa de “Super/Man: A História de Christopher Reeve”, que segue o que eu disse nos parágrafos anteriores, especialmente pelo slogan de divulgação do filme “Quando você escolhe a esperança, tudo é possível”, desenvolve-se pela condução resumida de sua carreira, por cenas de suas obras (como ator e como diretor) e curiosidades contadas sobre o processo-bastidores de seus filmes. Por exemplo, quem sabia que Christopher tinha sido preparado fisicamente para Superman pelo mesmo profissional de Darth Vader de “Star Wars”? Quem sabia que até Neil Diamond queria ser protagonista de “Superman”? Ou que Marlon Brando só queria mesmo o salário de seu papel? Pois é. Um documentário é isso: informar. Mas há formas e formas. Aqui, nós ouvimos definições, de que “precisamos de um herói”, que é “uma fantasia, mas de caráter muito real”. Outro parênteses sobre crônicas cotidianas deste novo mundo: nós temos certeza que o mundo ficou extremamente complexo quando a cabine de imprensa tem um problema, precisou voltar o filme e a luz da sala do Rio de Janeiro só conseguiu ser apagada por um controle de São Paulo. Pois é! Cadê o Superman quando mais se precisa dele?
Mas Christopher Reeve quebrava tradições. Levou tempo para oficializar o casamento e não “repetia” a masculinidade tóxica. E depois se separou. E casou de novo. Pois é, típica família. E é assim que “Super/Man: A História de Christopher Reeve” optou por se desenvolver. Pelo sensacionalismo da tragédia em focar chamados de “aleijado para sempre”, “show de horrores”, “não há tempo para respiro”. Será isso tudo um plano maquiavélico de Lex Luthor? E ainda tem a questão dos estudos “controversos” e “polêmicos” com células-tronco, que até foi motivo de piada em um dos episódios de South Park. Com depoimentos de Susan Sarandon e Glenn Close, e historias com o amigo “Popeye” Robin Williams, o documentário quer mesmo manipular a emoção, de que “o voo é um estado de espírito”, de que o ator passou de “participante para observador”, de que “precisava dar sentido ao acidente”, de que “a fama é um trem de carga”, do problema de “sequencite” de Hollywood, de que “a deficiência não era digna de ser incluída na sociedade”, de sofrer toda pressão de ser quem é e de defender causas.
“Super/Man: A História de Christopher Reeve” pauta todo seu caminho pela emoção. De ser taxado um super-herói para sempre. De ser polarizado entre certos e errados. E dessa forma, depois de tudo analisado aqui, o documentário “chapa branca” (sem problema nenhum quanto a isso) parece que falta algo e que ficou travado entre dois mundos. O voo daqui acabou mesmo exagerando na emoção e apenas na ideia da esperança.